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O Devasso

Mais uma vez estou só, envolvido numa culpa. Vocês me perguntarão por que sinto-me assim: estou lavando minhas mãos com água suja para benzer esta minha agonia absurda. Não quero que me olhem com olhos cativantes, não iriam gostar do meu ser. O que escrevo é obsceno, uma obscenidade fria e sem sentimento, mas que satisfaz a fêmea que tem um rosto sério para esconder o desejo de entrega. Luta, reage e odeia demonstrando a facilidade de ser possuída numa indomável luta de prazer entre dois animais. O centro de tudo é o clímax, o sexo é apenas um caminho para o pecado – o pecado é o caminho para o arrependimento. Sou o pecado em forma de purificação – a excitação purifica e no êxtase tornamos-nos puros.

O teatro da vida real: a atriz no ápice do sentimento em sua peça – livres do passado, livres do futuro. A relação é o escape da realidade, a droga que perturba todo o equilíbrio desta vida autoritária. Aqui, estou inerte, mas lá fora o sexo está em sua inércia. Neste momento o cérebro está sendo lavado... Sincronicamente com a lavagem cerebral... Estou tangenciando o precipício... Meu corpo frágil aqui jaz. Em vossas cabeças borbulham uma sátira misturada com perda, mas não converto-me no leito do fim, sou devasso e não estou livre dos olhos do Senhor. Mesmo assim sinto-me liberto da presença da vida que ignorou minhas ideias, e, agora vinga-se justamente na hora em que resolvi gostar de viver e luto contra algo mil vezes superior, mas não desisto. Existe poder na medíocre fraqueza deste ser doente e frágil da incapacidade de compreensão de um destino maligno, mas ainda tenho forças para beber, bebo porque a bebida é latente, basta um gole para varrer a imensidão. Neste momento a dor se esvai, mas a realidade passa a doer mais.

Dei as costas para as coisas certas, sabia que eram certas, mas minha mente separada de meu corpo não hesitava em falar e as palavras às vezes geram ódio. A arte ensinou-me a ignorar tudo e sentir prazer na tristeza da noite embriagada e silenciosa que acordava com meus gritos. Amei meus delírios no chão frio, matei o dia por ciúmes para eternizar as sombras da noite. O dia e a noite relacionavam-se perfeitamente porque um nunca via o outro. Canso-me da beleza que com exagero torna-se enjoativa, a mesma só serve para o auge da comunhão carnal entre dois amantes. A feiúra é um disfarce quando tem-se muito dinheiro.

Não esperem que eu os liberte com a minha ida. Vocês querem que eu me converta? Para ser lembrando como o bom, o bem aventurado pela sua maldade criativa, de uma austeridade ilimitada?

Minhas palavras são duras, mas no fundo deste coração rebelde só anseio uma coisa: quero trazer a cruz para o meu quarto, ver Jesus anestesiado pelo sofrimento, escalar tal instrumento de dor e tortura, trocar meus travesseiros pelos seus cravos, trocar minhas reclamações pelo seu suspiro de ser julgado sem culpa, trocar os meus cabelos e minha barba pelo seu cabelo e sua barba, trocar o meu lençol macio pela dura encruzilhada a qual dividiu seus braços.

Tentativas impossíveis de sustentação do corpo... Que com o tempo tornavam-se insuportáveis de manterem-se... Quando os relaxavam os pregos sustentavam suas feridas... Que sustentavam seus braços. Só não trocaria o meu pecado sem justiça pela sua retidão justa, porém incompreendida. Culpado morreria em seu lugar, ficaria aliviado ao vê-lo com meu último olhar... A sua imagem serena a deleitar-se.

E lá vou eu arquitetar o meu próprio martírio, alucinado pela embriaguez deste sono acordado, arrastado e esfolado pelo galope negro do cavalo guiado pelo cavaleiro Fim.

Meu suor e meu sangue quente sobre a bíblia, cada página uma guilhotina... Arranca o pescoço de cada lembrança minha.

Minha cabeça agora rola pelo mundo.

Olho para os quadros e estou com você vivendo em outra vida, mas é triste quando a visão é acortinada pelo sereno matinal. Até este instante percebi que vivi tanto!... Apesar de ir tão cedo. De nada valeu estar aqui, pois o vale é o mesmo, o mesmo vale que me trouxe até aqui. Sinto tristeza e choro por ver que estou partindo e tu ainda tens uma beleza aflorada.

Não quero que lembrem de mim. Só quero cobiçar o que ainda não vi. Vocês ainda querem me ouvir? Ainda querem me ouvir? Querem me ouvir?

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quarta-feira, dezembro 16, 2009 - 21:02

Ministério da Poesia :

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FranciscoEspurio

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