Karim o barbeiro de Kulun 2
Karim o barbeiro de Kulun 2
Os primeiros dias primaveris espreguiçavam-se por entre os altos picos e os sinuosos trilhos pintados em vários tons de verde que Jo desejava não mais acabassem .
Passou por centenas de aldeias sossegadas , nas montanhas de Kunlun , as portas de madeiras grossas e velhas das casas , abertas de par em par , davam noção de segurança e tranquilidade a quem passava.
Homens mais e menos novos , agachavam-se ao longo dos caminhos , em longas discussões muito gesticuladas ,“bom dia e boa viagem amigo, Deus te acompanhe”……. Diziam-lhe ,continuando as calorosas conversas.
Nos campos e florestas , mulheres de todas as idades realizavam trabalhos pesados mas sem pressas, carregavam às costas feixes e filhos bebes , enxugavam as testas do suor com as costas da mão.
Junto a uma ribeira cintilante como cristal , perto da aldeia de Atush na província de Xinjiang , região de Kizilu Kirghiz ,enquanto tomava um merecido banho , foi surpreendido por um grupo de mulheres jovens , usavam o local para lavar roupa, ouviu risos e olhares furtivos enquanto se vestia rapidamente.
Sem falsos melindres e faces descobertas , uma vez que os homens estavam fora de vista , foi convidado a partilhar o pão espalmado , tradicional e muito saboroso , do seu almoço.
Mais uma vez teve de contar quem era, que o apelidavam de Jo , tinha partido há muito de um local bem diverso deste, passado por regiões estranhas e mágicas, viu curiosidade em grandes olhos escuros, lagos sem fim como nunca tinha visto, chegavam tão fundo na sua alma que sentiu um arrepio e vontade de fugir para ainda mais longe.
Tinha cabelo negro , comprido e ondulado voando com o vento e o pescoço longo assentava num corpo ágil e harmonioso que se pressentia sob o vestido quase transparente.
Chamava-se Zahas significava o mundo , que queria conhecer,era professora.
Perguntou-lhe , com um largo sorriso se o podia acompanhar
(o acompanhar saboreou-o ele mais como fuga)
Sentiu-se tentado , mas com bons modos e um manear lento de cabeça , rejeitou a companhia.
Não só empreendia uma peregrinação solitária , mas também uma espécie de castigo ou penitência pelo que tencionava continuar sozinho.
Ela pediu-lhe então para ficar uns dias e conhecer a família o noivo Karim (o nobre), barbeiro de profissão e a sua linda aldeia.
Não havia dúvida que a aldeia era linda, já com mais características das aldeias chinesas que kirzigues que me tinha vindo a habituar , ate então.
Teve oportunidade , durante o tempo que passou naquele lugar encantado de conhecer as gentes da aldeia, simpáticas e atenciosas e Karim, homem curioso que ambicionava conhecer tudo, viajar e escrever mas que jamais sairia daquele lugar, constituiria família com Zahas,
provavelmente secariam os sonhos , tal como poças de água ao sol de verão mas seriam felizes, esqueceriam eles , que ele alguma vez tivesse passado por lá ?
Todos os dias Karim corria de casa para o trabalho e de volta a casa, mirava as estrelas e as mudanças de estações , dizia-lhe que gostava de sentir o vento falar-lhe aos ouvidos e acariciar o rosto ao correr, pensava melhor quando corria dizia-lhe ele, talvez ainda viesse a escrever esses mesmos pensamentos.
Era um indivíduo estranho e nervoso , se bem que o compreendesse melhor ele , que os vizinhos ,a noiva ou mesmo ele a si próprio.
Ultimamente tinha-se dedicado a dançar, tentava aprender a relacionar harmonia física, musica e alma.
A mãe de Zahas tinha acabado a viagem , ainda nova e o seu pai também tinha chegado ao fim á pouco, sendo ainda grande a dor da separação, restavam-lhe um irmão corpulento Musthafa, despojado e sonhador e uma irmã Nuria insegura e desligada.
Os serões e jantares soavam alegres e bem-dispostos, misturados com álcool de arroz, Karim quando bebia ficava eufórico e conviviam todos numa concofonia agradável até tarde.
A chuva que caía deixou-o pegado ao alpendre de madeira da casa , estava quase dormindo quando um beijo de Zahas o despertou.
Sabia que tinha de se despedir até sempre e quando se pôs ao caminho já não mais olhou para trás, não fosse arrepender-se.
Só de longe, de uma montanha próxima viu a aldeia na distância.
Pensou mais uma vez que gostaria de ver o filho de Zahas e Karim o barbeiro ,mas não voltaria ali mais .
Queria chegar antes do inverno a Tanshan,porque seria difícil passar os rios com grande caudal nessa altura do ano,.
Ao longe , do alto das montanhas ainda avistava a planície de Tarim ,longínqua como os tempos e as vidas passadas.
Acontecia com ele algo de estranho , conhecia já a criança que iria nascer dessa união, sabia-lhe o nome e tudo sobre ele, não quis pensar mais nisso .
Cada dia que passava , tudo em seu redor se ia transformando lentamente .
A própria natureza, os sons das árvores o cantar dos pássaros e o vento lhe segredavam, o embalavam e impeliam nalguma direcção. por qualquer razão desconhecida.
Jorge Santos
(continua)
Submited by
Ministério da Poesia :
- Login to post comments
- 1281 reads
Add comment
other contents of Joel
Topic | Title | Replies | Views | Last Post | Language | |
---|---|---|---|---|---|---|
Poesia/General | Pra lá do crepúsculo | 30 | 3.000 | 03/06/2024 - 11:12 | Portuguese | |
Poesia/General | Por onde passo não há s’trada. | 30 | 3.673 | 02/18/2024 - 20:21 | Portuguese | |
Poesia/General | Sonhei-me sonhando, | 17 | 3.753 | 02/12/2024 - 16:06 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | A alegria que eu tinha | 23 | 3.933 | 12/11/2023 - 20:29 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | Notas de um velho nojento | 7 | 2.742 | 12/06/2023 - 21:30 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | (Creio apenas no que sinto) | 17 | 2.078 | 12/02/2023 - 10:12 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | Vamos falar de mapas | 15 | 6.950 | 11/30/2023 - 11:20 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | São como nossas as lágrimas | 9 | 807 | 11/28/2023 - 11:11 | Portuguese | |
Poesia/General | Entrego-me a quem eu era, | 28 | 3.224 | 11/28/2023 - 10:47 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | O Homem é um animal “púbico” | 11 | 3.747 | 11/26/2023 - 18:59 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | A essência do uso é o abuso, | 1 | 3.553 | 11/25/2023 - 11:02 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | Insha’Allah | 2 | 2.409 | 11/24/2023 - 12:43 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | No meu espírito chove sempre, | 12 | 2.145 | 11/24/2023 - 12:42 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | Os destinos mil de mim mesmo. | 21 | 5.980 | 11/24/2023 - 12:42 | Portuguese | |
Poesia/General | “Daqui-a-nada” | 20 | 4.269 | 11/24/2023 - 11:17 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | Cada passo que dou | 0 | 1.717 | 11/24/2023 - 09:27 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | Quem sou … | 0 | 2.380 | 11/24/2023 - 09:26 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | Ricardo Reis | 0 | 682 | 11/24/2023 - 09:24 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | A dança continua | 0 | 2.623 | 11/24/2023 - 09:23 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | A importância de estar … | 0 | 2.257 | 11/24/2023 - 09:17 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | Se eu fosse eu | 0 | 1.313 | 11/24/2023 - 09:15 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | Má Casta | 0 | 2.342 | 11/24/2023 - 09:14 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | Neruda Passáro | 0 | 2.949 | 11/24/2023 - 09:12 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | Pouco sei, pouco faço | 0 | 1.679 | 11/24/2023 - 09:11 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | Do que tenho dito … | 0 | 1.805 | 11/24/2023 - 09:09 | Portuguese |
Comments
.
.
.
.
.
.
.
.
provavelmente secariam os
provavelmente secariam os sonhos , tal como poças de água ao sol de verão mas seriam felizes
rovavelmente secariam os
rovavelmente secariam os sonhos , tal como poças de água ao sol de verão mas seriam felizes
rovavelmente secariam os
rovavelmente secariam os sonhos , tal como poças de água ao sol de verão mas seriam felizes
rovavelmente secariam os
rovavelmente secariam os sonhos , tal como poças de água ao sol de verão mas seriam felizes
provavelmente secariam os
provavelmente secariam os sonhos , tal como poças de água ao sol de verão mas seriam felizes
Karim o barbeiro de Kulun 2
Karim o barbeiro de Kulun 2