Vidas que se cruzam na eternidade
Não conseguia, por mais que tentasse, esconder a ansiedade. Não a via a muito tempo. Na verdade nem lembrava mais como ela era. Aquela beldade que conhecera no festival de praia e que o levara a loucura nos tres dias daquele final de semana. Havia esquecido seu compromisso com a pessoa que sempre amou. A consciência pesara na época. Sentiu um remorso pela loucura que fizera e havia jurado a si mesmo que nunca mais deixaria que uma situação daquela o controlasse. Ledo engano. A quem ele queria enganar? Sabia que era o tipo de coisa que jamais podia cumprir.
Olhou para o relógio mais uma vez. Olhou o celular. Pensou em ligar para ela. Será que havia desistido do encontro? Uma angústia tomava conta de seu ser. Uma mistura de ansiedade e desepero. Corria risco. Muita coisa estava em jogo. Por um instante pensou no que estava para fazer. Como podia ter coragem disso? Que espécie de pessoa era ele? Dúvidas e mais dúvidas solapavam sua mente embriagada pela paixão desesperada. Aqueles olhos negros o desafiavam. O seduzia a arriscar tudo que tinha. Poderia ser um prazer momentâneo. Mas o que é a vida a não ser momentos de felicidades?
O semblante sobrecarregado pela culpa fazia com que ela perdesse um pouco sua beleza. Era fácil perceber o medo e a tristeza naqueles olhos que agora ele contemplava a sua frente. Ela havia mudado. Não era mais aquela menina que conhecera correndo nas areias límpidas da praia. Era uma mulher castigada pela vida. O cansaço e as decepções estavam estampada em seu rosto. Estava muito elegante. Bem vestida e suas curvas ainda provocavam o desejo nos homens com toda certeza. Mas a sua maior virtude, sua beleza interior, essa ele não contemplou.
Por algum tempo ficou a visualizar aquela figura em sua frente. Ela demonstrava uma insegurança de quem já tivera inúmeras decepções na vida. Não acreditava que um dia pudesse ser feliz. Dependia de alguém para recuperar a esperança de dias melhores. Ele não queria mentir. Sabia que não tinha o direito de mentir para ela. Precisava ser franco. Era preso a outra situação e tinha toda uma vida pela frente. Queria, no entanto, apertá-la em seus braços e oferecer um pouco de carinho e atenção. Podia ouvir ela chorar. Gostaria de vê-la sorrir. Sonhos de uma tarde de verão que se esvai como as nuvens carregadas pelo vento.
Vidas que se cruzam na eternidade e que não podem ser unidas pelo destino. Sonhos que se desfazem pela circunstâncias da vida. Ela estava tão perto e ao mesmo tempo tão distante. Nada era como antes. Não podia oferecer, por mais que quisesse, o ombro para ela reclinar sua cabeça. Nem mesmo seus lábios puderam se tocar. Apenas os olhos penetravam a alma e invadia o coração. Tinham tudo e nada ao mesmo tempo. Uma dor. Uma solidão terrível dominava sua mente. Por que a encontrara naquele dia? Por que não passara o resto da vida sem a ver outra vez?
Deixou-se levar sorrateiramente. Afastou-se em passos curtos e inseguros. Sabia que era a última vez que a veria. Não podia salvar ela e nem a si mesmo. O destino havia sido terrivelmente cruel com ambos. Aqueles olhos teriam que ser apagados de sua memória e que as lembranças de tempos idos pudessem ofuscar essa fatídica noite. Ao afastar-se dela, não deixou-se levar pela emoção e pela súplica que ela fazia. Queria poder viver com ela o amor que nutria em seu coração. Mas, simplesmente não podia. Seus braços ficaram estendidos até que ele sumisse na noite escura. Era o adeus de uma alma que suplicava por um amor que não podia acontecer. Era o fim de um começo que não existiu.
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