A fábula da bela adormecida e da cobra...

O tempo é uma víbora de cauda na boca,
circular, venenosa, imprevisível...
Eu sempre fui o centro com vista periférica.
que assiste ao desenrolar dos dias,
ouvindo o rastejar em espiral do mundo,
gritando um apelo mudo a quem passa, mas nem pára...
Todos os castigos trazem um pecado antigo,
o meu agarrou-se às minhas pernas,
morde-as, beija-as, arranha-as numa caricia prepotente...
Um dia tomei uma decisão, mas as decisões não se deixam tomar
sem um namoro prévio...
Defendem a castidade cínica de uma forma mordaz,
como quem faz crochet com os dentes...
Se existe um Deus maior que eu,
(que acredito que seja a força bela de todas as coisas
e o principio onde o Amor nasceu),
então, este medo punitivo não faria sentido algum...
Mas a crença é uma pertença volúvel
e abandona-me muitas vezes
porque gosta de dormir em outras camas...
Já não me chamas de Amor, pois não?
O verão do nosso contentamento nunca chegou
e as árvores não resistiram à dor da geada...
Será que tudo se repete?
Promete que pelo menos existiu
e numa madrugada de tempo frio,
soube derreter a geada e coube nos nossos sonhos...
Promete que metemos as mãos juntas por baixo
para apararmos as gotas todas que escorriam dos nossos olhos,
enquanto nos olhávamos e trespassávamos de compreensão...
Não sei mais nada amor, já nem te escrevo em letra crescida,
estou perdida, de mim e de tudo...
Há uma mágoa que me atravessa como água,
preenchendo os espaços todos...
Não quero passar por aquilo outra vez,
mas talvez o sofrimento se queira passear por mim...
Pensei que a tua mão me esticasse o alcance
dos braços, mas não...
O tempo é uma víbora de cauda na boca,
que me olha de relance, num tom desafia(dor)...
E eu louca apenas tremo e temo deixar-me morder
e adormecer sem beijo de Amor para me acordar,
desta vez,
quando passar...

Inês Dunas

Libris Scripta Est

Submited by

Thursday, April 21, 2011 - 11:54

Poesia :

No votes yet

Librisscriptaest

Librisscriptaest's picture
Offline
Title: Moderador Prosa
Last seen: 11 years 47 weeks ago
Joined: 12/09/2009
Posts:
Points: 2710

Comments

rainbowsky's picture

Olá Inês!   Fantástico!

Olá Inês!

 

Fantástico! Que poema!!!!

Que bom voltar a ler-te. Como sempre. está espectacular.

 

(...)

Defendem a castidade cínica de uma forma mordaz,
como quem faz crochet com os dentes...

(...)
 

 

O tempo é uma víbora de cauda na boca,
que me olha de relance, num tom desafia(dor)...
E eu louca apenas tremo e temo deixar-me morder
e adormecer sem beijo de Amor para me acordar,
desta vez,
quando passar...

 

Mais palavras para quÊ?

 

beijinhos

rainbowsky

Outro's picture

........

Sem palavras Inês......Boquiaberto!!!

Perfeito!!!!!

Susan's picture

O tempo brinca de ser tempo

O tempo brinca de ser tempo  e nos envolve em sua teia ciclica 

de dias lindos e de dias que são nadas ...

O mais importante é não deixar o tempo comandar o relógio da vida 

e sim ser capaz de ser senhor do próprio tempo....

Que o tempo seja capaz de se perder enquanto tu encontras 

a felicidade deste amor ,talvez, gasto ....

Um texto muito forte e reflexivo  me vejo em tua fábula ....

Sempre é bom te ler !!!!

Um beijo 

Susan

deborabenvenuti's picture

A Fábula

Belíssma fábula,Inês!

O tempo é essa víbora com cauda na boca que está sempre girando ao nosso redor,sem que possamos evitar que ela possa nos morder.

Beijo

MarneDulinski's picture

A fábula da bela adormecida e da cobra...

Lindo e maravilhoso texto, gostei muito!

Destaco os versos finais abaixo:

O tempo é uma víbora de cauda na boca,
que me olha de relance, num tom desafia(dor)...
E eu louca apenas tremo e temo deixar-me morder
e adormecer sem beijo de Amor para me acordar,
desta vez,
quando passar...

Meus parabéns,

MarneDulinski

Add comment

Login to post comments

other contents of Librisscriptaest

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Poesia/Sadness Quimeras... 2 5.972 06/27/2012 - 16:00 Portuguese
Poesia/General Presa no transito numa sexta à noite... 2 3.459 04/12/2012 - 17:23 Portuguese
Poesia/Dedicated Santa Apolónia ou Campanhã... 2 2.644 04/06/2012 - 20:28 Portuguese
Prosas/Others Gotas sólidas de gaz... 0 2.764 04/05/2012 - 19:00 Portuguese
Poesia/General Salinas pluviais... 1 3.058 01/26/2012 - 15:29 Portuguese
Prosas/Others Relicário... 0 3.239 01/25/2012 - 13:23 Portuguese
Poesia/General A covardia das nuvens... 0 3.681 01/05/2012 - 20:58 Portuguese
Poesia/Dedicated Arco-Iris... 0 3.979 12/28/2011 - 19:33 Portuguese
Poesia/Love A (O) que sabe o amor? 0 3.613 12/19/2011 - 12:11 Portuguese
Poesia/General Chuva ácida... 1 3.026 12/13/2011 - 02:22 Portuguese
Poesia/General Xeque-Mate... 2 3.267 12/09/2011 - 19:32 Portuguese
Prosas/Others Maré da meia tarde... 0 3.188 12/06/2011 - 01:13 Portuguese
Poesia/Meditation Cair da folha... 4 3.863 12/05/2011 - 00:15 Portuguese
Poesia/Disillusion Cegueira... 0 3.381 11/30/2011 - 16:31 Portuguese
Poesia/General Pedestais... 0 3.489 11/24/2011 - 18:14 Portuguese
Poesia/Dedicated A primeira Primavera... 1 3.332 11/16/2011 - 01:03 Portuguese
Poesia/General Vicissitudes... 2 3.678 11/16/2011 - 00:57 Portuguese
Poesia/General As intermitências da vida... 1 3.876 10/24/2011 - 22:09 Portuguese
Poesia/Dedicated O silêncio é de ouro... 4 3.023 10/20/2011 - 16:56 Portuguese
Poesia/General As 4 estações de Vivaldi... 4 4.054 10/11/2011 - 12:24 Portuguese
Poesia/General Contrações (In)voluntárias... 0 3.533 10/03/2011 - 19:10 Portuguese
Poesia/General Adeus o que é de Deus... 0 3.431 09/27/2011 - 08:56 Portuguese
Poesia/General Limite 2 4.732 09/22/2011 - 22:32 Portuguese
Poesia/General Quem nunca fomos... 0 3.984 09/15/2011 - 09:33 Portuguese
Poesia/General Antes da palavra... 1 4.390 09/08/2011 - 19:27 Portuguese