VAMOS FAZER UM HAIKAI?!...
* * *
“A friagem de uma manhã fria, o calor de um dia quente, a lisura de uma pedra, a brancura de uma gaivota, a lonjura das montanhas distantes, a pequenez de uma florzinha, a humidade de uma estação chuvosa – tudo isso é motivo para um haicai”.
R.H.Blyth
***
O Haiku é conhecido no ocidente por Haikai ou Haicai e é um género poético nascido no Japão, a partir de um outro género: o Tanka.
Enquanto o Tanka é constituído por duas estrofes (três mais dois versos), o Haicai possui apenas uma estrofe de três versos. Em qualquer dos estilos existem regras métricas obrigatórias: O Tanka em formato 5-7-5 / 7-7 (ou seja, 31 sílabas poéticas) e o Haikai em 5-7-5 (ou seja, 17 sílabas poéticas).
O Haicai foi praticado, incentivado e expandido graças à sensibilidade do mestre Matsuo Basho, que chegou a ter milhares de discípulos.
Dizia ele: “Não Importa a idade que se tenha, pois é a criança que existe em cada um de nós, que sabe ler, entender e escrever o Haicai”.
Primavera à noite:
Belas cerejas! Para elas
Aurora desponta!
(Adaptação de um haicai de Matsuo Basho)
O Haicai tem a particularidade de não admitir título – os poemas devem ser numerados para melhor identificação – e também não admite rimas.
Deve descrever algo que está ao alcance do olhar de qualquer um – como se de uma foto da Natureza se tratasse – mas que apenas o autor consegue apreender e colocar no poema. Tal pormenor condiciona a que seja apenas o tempo presente aquele que nos importa.
Haicai não despreza o humor, mas deve evitar-se a piada gratuita e a cacofonia.
Há que valorizar também os contrastes da luz e das sombras, das cores, dos sons, que por si só identifiquem a Estação do ano ou “kigo”.
Para lá da rocha,
A sombra projecta Paz…
As cabras refrescam-se. (Henricabilio)
Neste Haicai existem vários elementos da Natureza: A rocha; as cabras que buscam a sombra dessa rocha; Por outro lado, a sombra é um sinónimo de Paz – um refúgio do calor ardente – que nos leva a assumir o Verão como a Estação eleita.
Além disso deve observar-se as sílabas de cada verso do haikai, no formato 5-7-5:
Pa-1, ra-2, lá-3, da-4, ro-5 (cha)
A-1, som-2, bra-3, pro-4, jec-5, ta-6, Paz-7
As-1, ca-2, bras-3, re-4, fres-5 (cam-se)]
Deve utilizar-se palavras simples e de uso comum para mais fácil compreensão e evitar as metáforas, tão importantes na restante poesia; além do mais, o Haicai é quase exclusivamente intuitivo e pouco tem de intelectual.
Existem ainda temas considerados inadequados, como religião, política, crimes, sexo, doenças, sentimentalismo vazio, etc. Não é próprio do Haikai usar qualquer tipo de rimas, embora alguns autores as utilizem, em versões mais liberais do Haicai.
Evite falar na primeira pessoa do singular o que equivale por dizer que descrevendo ou não um acontecimento observado pelo autor, o mesmo deve ser apresentado de uma forma que qualquer leitor se sinta identificado com o instantâneo.
Deve ser o mais descritivo possível, servindo-se do seu poder de síntese para tentar que fique eternizado esse momento no tempo.
No Brasil, Helena Kolody, filha de imigrantes ucranianos, foi dos primeiros poetas a cultivar o Haicai, tendo por esse facto sido muito criticada, uma vez que à primeira vista é uma poesia muito simples e de versos brancos e curtos. Mas há que saber encontrar a profundidade dos sentimentos na subtileza das palavras.
Dizia ela: “Poesia é transfiguração da realidade em beleza, pela magia das palavras:”
De grinalda branca,
Toda vestida de luar,
A pereira sonha. (Helena Kolody)
[Repare na candura poética utilizada para exprimir admiração pela beleza da árvore florida, a ponto de ser equiparada a uma noiva. Esse encantamento é transportado do autor para a árvore, com o verso final “A pereira sonha” e, por isso mesmo, a Estação assumida é a Primavera.]
O autor que tenciona escrever Haicais, deve recorrer ao seu sentido poético e observar a Natureza sob novas perspectivas e assim mostrar ao mundo as maravilhas que todos estão a perder por não valorizarem os nadas que muito significam.
O Haicai aí está, com a graciosidade das palavras pequenas, que florescem nos corações grandiosos!
Para finalizar este pequeno estudo, deixo três Haicais da minha autoria:
I
Um pássaro canta!...
A fêmea embala os ovos…
Geração feliz!
II
Luar de canícula,
Ilumina o nobre rio.
Rumor cristalino!
III
O sol na alvorada
Manda a noite para a cama…
Orvalho transpira!
13.03.2011, Henricabilio
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Comentarios
(:
Gostei, ensinamentos..
para quem ama a peosia, uma
para quem ama a peosia,
uma viagem que vale a pena,
Saudações!
Abilio
Muito educativo da tua parte
Muito educativo da tua parte Abilio. Obrigado pela lição. Amanhã vou acordar e passear pela serra para inspirar os meus haikai
Haikai
Este é o tipo de texto que deveria ser mais lido
por aqueles que apreciam literatura...
Lamento que tal não aconteça.
Grato pela presença!
Abilio
((:
...que (pensam que) apreciam literatura...
Muito verdade. Até porque, concordando com a forma como tu pensas, caro Abilío, é como outra vez disse um amigo meu, Haru (que já não posta por aqui há um bom tempo, falando nele...): para escrever um soneto é preciso estudo pra c**alho! rsrs
Até mais! Logo torno a comentar algo mais sobre este texto também.
Abraço,
Adolfo.