Música

Filosofar com notas, cantar ideias,
medir o tempo, contar pulsações.
Escrever um texto, criar melodias,
ler um bom livro, ouvir boas canções.
Ouvir de corpo inteiro, sem apartar os sentidos,
suspender pré-conceitos, alinhar sentimentos.
Que os pensamentos se tornem abstratos
promovendo a orgia dos conhecimentos.

Escrever ouvindo e ouvir escrevendo.
Tocando a vida em um acorde maior.
Já é meio-dia, não há sombras no ar
que vibra mais livre e soa melhor.
Que o ritornelo do eterno retorno
me ajude a compor e a executar
os sons do destino e os sons do improviso
que o além-do-homem há de admirar.

Num estado de graça, me ponho a deitar
sobre o manto da terra para esquecer
um pouco da vida e respiro do ar
que sopra dos céus a nos fortalecer.
As águas que fluem dentro de meu ser
acalmam-se e transitam vagando sem rumo.
Meus olhos se fecham e meu cérebro dorme
e medito num sono infinito e profundo.

Enxergo só as sombras e os tons de escuro.
Aquarela de tons transparentes se forma.
O invisível e o abstrato se fundem de vez
e, ao repouso total, meu corpo retorna.
Meus tímpanos, adormecidos, não vibram.
Somente o silêncio pairando no ar...
O pulsar de meu peito e o ranger de meus ossos
diminuem e chegam quase a parar...

...

De repente, o choro do violino me invade.
Percebo que estou a ouvir algo divino.
O som muito calmo e suave, bem baixo,
põe-me num delírio de paz infinito.
As notas deslizam pelo ar pesado
nas linhas de partituras invisíveis.
Ora são calmas as frases tocadas,
ora nervosas, sempre inesquecíveis.

Um violoncelo chega de mansinho;
triste e cabisbaixo, me chama a atenção.
Grave ao extremo, falando bem baixo,
segurando a base da linda canção.
Sempre por baixo, quase inaudível,
quase não o ouço, apenas o sinto.
Cordas que vibram em baixa frequência,
embriagando-me como o absinto.

Címbalos batem sutis e sem pressa,
organizando o compasso das notas.
Um sino badala ao tempo da batida,
que ora é perfeita, ora é torta.
Um tambor bate lento como um coração
que está falecendo num ser moribundo.
O ritmo é lento e a batida disforme;
e quando o ouvimos, o som é profundo.

Um bandolim dedilhado e alegre
chega solando ao compasso complexo.
Vendo a tristeza do violoncelo
seu solo se mostra tocado e perplexo.
A harpa não deixa o bandolim sozinho
e encoraja-o e também o violoncelo se atenta.
Há um desafio amigável no ar
em que solos de cordas se alternam em contenda.

A flauta, suave, transversa e brilhante,
divina harmonia e doce melodia,
domina o contexto, agita e acalma,
traz felicidade, traz melancolia.
O rouco soar de seu ventos atiça
o piano sublime com lindos arranjos.
Suas teclas divinas (marfins e ébanos)
só se comparam ao canto dos anjos.

Mil vozes em coro cantando mil notas
formando um feixe de sons infinitos,
se fundem com todos os timbres do mundo
criando em uníssono os sons mais bonitos.
Sons naturais e, outros, modificados;
não há intenções de se impor interesses.
De todas as formas de se fazer música,
compartilhar é o maior dos prazeres.

Então, todos os sons se alinham no tempo
num sincronismo total e infinito.
Direcionam o poder e me influenciam
num feixe sonoro de poder divino.
No auge do contentamento me encontro
e próximo ao firmamento me guiam.
As notas, batidas, os sopros, badalos
transportam-me aos céus de onde a luz irradia.

Desta experiência pude comprovar
que a música pode nos fazer sonhar.
A arte dos sons nos altera e transforma;
faz-nos viajar, nos carrega e transporta.
A relação entre o tempo e o espaço
desaparece e em imortal me faço.
Voo para longe ou adentro meu ser
e volto, num instante, a normal parecer.

[size=xx-small][font=Courier]Vejam também os meus outros textos, comentem, ficarei feliz em receber comentários.[/font][/size]

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Miércoles, Junio 2, 2010 - 03:05

Poesia :

Su voto: Nada (3 votos)

MaynardoAlves

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Comentarios

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Música

Pequena e singela tentativa de descrever o poder que a música exerce sobre mim.

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Re: Música

Esse poema remete a sensação profunda ocorrida no Nirvana,assim chamado pelos Hindus .
Um estado de graça tão profundo que é quase inatingível .
Muito Bom !!!
Abraços
Susan

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Re: Música

totalmente fascinante .

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Re: Música

Muito obrigado pela leitura e pelo comentário.

Que bom que gostou!

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