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Laranjas de natal
Aquela sem nome que vejo a dias intercalados com outros desocupados de si.
Que é reparo fútil dos olhares desviados na quotidiana hipocrisia que brinda os desbaptizados, tem um anjo em remendos, esse Joaquim, que suplica a deus uns cobres, para ser tapume de mágoas eternas e míseras fomes.
O inverno que no ar cheira a queimado e sei que é assim porque já mo disseram, vidra a calçada dum calcino que aguarda a emboscada da chuva.
Vejo-a a ela, aquela sem nome, com duas sandálias ressuscitadas do lixo, por volta de um quarto de horas incertas na manhã da cidade, com um lenço na cabeça, uma saia cinzenta de grosso tecido e um saco anoréctico que só pesa no fundo laranjas e peras tocadas de nojo.
Da vida que é, pouco lhe sei, assim o peixe que me venderam é aquele que lhes dou, agora, aqui.
Numa mercearia habitual onde compro pinhões, compro-lhe um nome…Lurdes!
Desta maneira e sem outro, lhe aclarou a graça, Mercedes Valente, a dona Mercedes, a dona dos pinhões e da loja onde compro esta história.
Mercedes, sem importância, que não a de interlocutora privilegiada sobre a vida alheia, desconta na língua os preços com IVA que cobra avarenta.
Considero desmazelo das almas fracas que prefigura tiques dum espírito paupérrimo fazer da oportunidade um catalisador de referência para o oportunismo, mas ainda assim, quase cínico, acedo a apagar o fogo que queima a língua de vaca de Mercedes Valente a jactar-me nos ouvidos um drama vulgar que intenta ao choro das pedras da calçada.
Diz-me de Lurdes que conheceu os pais, bem postos na vida com casa e com carro.
De um irmão, talvez mais novo, que se dava entre elites da Avenida de Roma, musico ou coisa assim, virado para as artes…
Da queda de um império viciado de jogo na figura do pai... e alcoolizado de adultério na cama da mãe.
Em continuo sucede-se na boca de Mercedes uma trama de sangue num quarto andar sobranceiro do outro lado da rua.
Delapidada a fortuna no infortúnio da roleta, Mário, o pai desta história que terminou á facada, encheu um alguidar de glóbulos vermelhos e brancos, numa cabidela de plasma e vingança, naquela madrugada fria em que esquartejou a mulher Eva e um amante rotineiro, breve como a morte.
Endoidecido pelo crime, pelo delírio dos sinos alucinantes que lhe ribombavam funerais na cegueira do espírito, nu e de naifa na mão, urrou alto no meio da estrada um rugido agoniado que encheu toda a Avenida de Roma e os cabeçalhos dos matutinos que relatavam na manhã invernosa um delito passional feito em homicídio, que acabou esmagado por um táxi de serviço ao suicídio de um jogador de pouca sorte.
Assim sem herança, com a casa hipotecada e sem dinheiro para viver, caíram na rua, Lurdes e o irmão ainda sem nome, musico ou coisa assim, virado para as artes.
Saí com os pinhões e com seis laranjas de natal para desamolgar minha alma hipócrita e ofertar a Lurdes no passeio da avenida.
Abordei-a sem voz, e estendi-lhe o saco com os pinhões também dentro, ela aceitou e numa vénia de verbo, com nervo e gratidão deu-me voz e olhar com atenção de dizeres…
Que a vida está tão má e ela agradecer as laranjas.
Que iria avenida abaixo, ali á Praça de Londres ter com irmão que mendigava um cobres, tapume de mágoas eternas e míseras fomes, mas que dava para o pão na mercearia burguesa que me é habitual na Avenida de Roma.
Sendo o meu caminho, fui em acompanho e perguntei se Joaquim era seu irmão.
Retorquiu concordante um tanto surpresa com a pergunta.
-Conhece-o?
De facto, só o nome, que ouvi variadíssimas vezes de três ou quatro caridosas que despendiam uns trocados a espantar demónios.
A conexão que confeccionei entre os dois surgiu das muitas ocasiões que vi aquela sem nome, com duas sandálias ressuscitadas do lixo, por volta de um quarto de horas incertas na manhã da cidade, com um lenço na cabeça, uma saia cinzenta de grosso tecido e um saco anoréctico que só pesa no fundo laranjas e peras tocadas de nojo, ir ao encontro do tal Joaquim a quem eu sabia o nome.
Considero desmazelo das almas fracas que prefigura tiques dum espírito paupérrimo fazer da oportunidade um catalisador de referência para o oportunismo…mas não resisto e pergunto de onde e quem são.
Não seria preciso, Lurdes, ao que diz com certeza ser das Olaias, do antigo bairro de barracas, que nasceu e lá cresceu bem como o seu irmão mais velho Joaquim.
Filhos de um estafado sucateiro que recolhia quinquilharia com um triciclo motorizado para sustento de uma família de quatro e uma barraca.
Gente que Lurdes orgulhosamente afirmou de trabalho, que pobres sempre foram mas nunca desgraçados, até ao dia em que a câmara os desalojou, já muito anos depois da mãe ter morrido tuberculosa no Curry Cabral e do pai se findar pneumónico dentro de casa.
Desde essa altura, que esquecidos aos olhos do mundo com apavoro da pobreza, pernoitam num carro sem matriculas na Avenida de Roma.
Pus a mão ao bolso e dei-lhe os trocos que tinha, não o costumo fazer, mas já o fiz várias vezes…despedi-me, sob vénias de verbo nervo e gratidão.
Senti-me leve, feliz pela candonga de história contada em aldrabo por Mercedes Valente, que não passava de um delírio romanesco, de um devaneio elaborado de uma vendedora de pinhões que carrega no preço aos velhos do bairro e aos incautos que entram…
Sinto-me bem, não sou de dar presentes.
Mas ofereci laranjas de natal, pinhões e uns trocados.
Sei que aquela sem nome que vejo a dias intercalados com outros desocupados de si.
Que é reparo fútil dos olhares desviados na quotidiana hipocrisia que brinda os desbaptizados, que tem um anjo em remendos, esse Joaquim, que suplica a deus uns cobres, para ser tapume de mágoas eternas e míseras fomes, essa que carrega um saco anoréctico que só pesa no fundo laranjas e peras tocadas de nojo…não são órfãos de um táxi a serviço do suicídio por um jogador de pouca sorte… têm uma casa que é carro…
E laranjas de natal.
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