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Ai amor, vou para a Guerra
Acto I
Sobre o palco de madeira, uma mesa e uma cadeira. A meia luz de espanto, mulher sentada, na roda do tacho, na roça da labuta.
Entra por uma porta improvisada, um jovem alto, de voz embargada:
-Ai, Amor que fui chamado!- Exclama ele embasbacado
-Que dizes, meu homem?-Interpela com mágoa
-Falou o homem demente, a mim que estava contente...Vasco, vais para a Guerra!
-Não me digas Vasco, que isso agora é asco!
-Pois vos digo amor,...aquele Estupor!
Esconde a mulher os olhos e retomando, exclama no entanto:
-Mas que vais fazer à Guerra?
-Como posso saber. Tenho 19 anos
-É longe?
-Talvez distante! Vou na frente.
A batata cai semi descascada, a mulher levanta-se e chorando , atenta:
-Mas homem, nem cavalo nem Jumenta.Como irás?
-Jumenta? Não, vou com o Brás!
-Pois tambem ele vai á Guerra?
-A fugir de uma espanhola, que a tem por conta!
A mulher olhou de soslaio, e não fazendo do silencio lacaio, protestou:
-Antes uma espanhola, que uma bala na tola
-Eu volto para o teu regaço!
-Olhai Vasco o meu embaraço!
Num beijo sentido, cai o pano de vermelho tinto
Acto II
Em regimento metido, Vasco assume ao palco com o batalhão, sob o olhar inquisidor da população.
Ri o profeta, salta o louco, a eles faz Vasco ouvido mouco:
-Nobres herois que pela Pátria vão lutar -Brada o Sargento
-Eu quero é regressar - Diz Vasco num Lamento
-Acaso não regresses, a tua mulher ouvirá tuas preces- Grita o Profeta
-Ao diabo com as preces, tu não a mereces - Brada o Louco
Em tão distinta companhia, fechou os olhos a mulher e segredou baixinho:
-Tivesse ele Leucemia
-Que dizeis Efigénia?-Brada o Sargento
-Só levam os bons, eu que já queria estar prenha!-Disse num lamento
-Sossegue, que ficam os outros para intento!
-Não faço de migalhas sustento!- Gritou Efigénia.
Cai o pano com batalhão a cantar..
"Guerra agora, já não demora. Que de bravo que somos, o inimigo foge, em assombro"
ACTO III
Regressa Brás ao quartel, a população a granel. Dois anos passaram, e metade deles não voltaram.
-Heroi, herois.Mataram os Espanhois?
-Espanhois?
-Pois nao foram á Guerra?
-Sim. Mas a Guerra sem terra, em mar volvido
-Que dizeis? - pergunta o profeta encarecido?
-Não passamos fome, nem sede...em Bordeis metidos.
-Como dizeis?-Protesta o profeta
-Esta guerra era sem quarteis, sem fieis, sem reis
-Mas que Guerra essa. E onde pára meu Vasco?
-Oh esse fugiu. Desertou com asco.
-Do sangue?
-Sangue?Da saia, do mulherio!
-Dois anos a penar. Para aos espanhois ganhar? - Efigénia de xaile negro nos ombros e barriga farta
-Para Espanha não se vai de Mar. Fomos além. Além Mar a outras terras, lindas de pasmar.
-Mas combateram?
-Não...só beberam
-Mas morreram?
-Não, só as virgens varreram.
-Louca Guerra essa!
-Vi seios fartos, coxas gastas, rostos de desgraça. - Avisava o pobre Brás
-Mas acaso vies-te!
-Pois. Ter mulher por conta lá e perder tudo lá, com virgens, mais vale falar Portugues aqui, que outra lingua diferente
-Estou a ver, estou a ver!Foi só foder...-Chora Efigénia
-Qual Guerra de meter, so lá foram entreter, dinheiro derreter e tempo perder. - Grita o Profeta
-Logo vi que União, so podia ser europeia. Nem guerra aberta, nem tiro, só abelha na colmeia. Lá se foi o mel Lusitano, nas zonas pudicas da Meretriz. -Bradou Efigénia
-Abençoado quem é louco- passa o louco a mão á barriga de efigénia-Que comeu e não foi pouco!
Efigénia dá a mão ao louco. Bras encara o Povo, canta o profeta enquanto a cortina cai.
"Guerra desta na União, antes fosse cooligação
Mandamos jovens para fora, e quem se safa é quem cá mora!"
Com a cortina levantada, para agradecer cantam todos em uníssono:
"
Quem me dera ser Louco,
peito aberto para balas
Ignorar o perigo de ouvido mouco
de punho erguido, abrindo alas"
Quem me dera ser Louco
Poder dizer o que quero
poder fazer de tudo um pouco
Da sorte meu tecto"
E baixa a cortina de vez.
------------------------Fim--------------------------
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Comentários
Re: Ai amor, vou para a Guerra
Meu amigo, este texto é absolutamente impossível deixar de ser comentado! É ótimo!!! Muito bom.
Imperdível!! Você é um escritor de peças teatrais nato. Um senhor contador de histórias...
AMEI!!!
Um beijo grande!
Re: Ai amor, vou para a Guerra
ola boa tarde mefistus! adorei o texto, tal como a danny disse os teus textos sao de uma enorme beleza e de uma enorme dedicação! Parabens! Obrigada pelo comentario
beijinho*
Re: Ai amor, vou para a Guerra
Bom dia Lau;
Fico feliz que tambem tenha gostado!
Esta é apenas uma peça de teatro!
Re: Ai amor, vou para a Guerra
Fui transportada para dentro de uma peça teatral! Muito bom! :-)
Re: Ai amor, vou para a Guerra
Clap,clap,clap...aplausos, bis, bis...levanta e grita a velha meretriz, a pudica infeliz, o soldado toldado de ser feliz, grito eu a poetisa que lê e te diz...-Gênio!!! Tua poesia é vertente que brota feito lúdico chafariz. a Gostei imensamente, me ajudas em um projeto que tenho tentado desenvolver, mas não sabia como dar sentido, costurar cada verso perdido, solto no vão, agora sei como costurá-los, os versos soltos, que me parecem em vão.
Grande abraço, vai para os favoritos.
Re: Ai amor, vou para a Guerra
analyra;
Pequenino eu me fico, assim ao amanhecer.
Do teu jeito fantástico, em elogio rasgado
me chamas génio, mas génio é teu encanto, de tão suave pranto.
Bom que ajudei...bom suas plamas,
Mais uma vez...
Obrigado!