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A víbora
A igualdade é um cimento. Uma massa não uniforme que nos une ao outro e une o outro
a nós. Haverá quem lhe chame empatia, amizade ou até amor. Estão no vosso direito.
Perdoar-me-ão, mas eu prefiro ser mais prosaico e dar-lhe outro nome: igualdade.
Sou igual aos meus alunos. Tenho apenas a vantagem, ou a desvantagem como queiram,
de já ter passado por muitos dos locais para onde eles se encaminham. Já lá estive e voltei
para contar. Sou também igual àquele homem que, depois de apostar até a família, escreveu
ao casino para que lhe impedissem a entrada. Segurem-no porque ele não é capaz. Já lá estive
e estou aqui para o silenciar. Permitam-me algum pudor, afinal de contas, ainda mal nos
conhecemos. Sou ainda igual à adolescente que, na ânsia de se livrar de tudo e ser feliz,
terminou a olhar para um bebé sem saber muito bem o que lhe fazer. Nunca lá estive e não o
saberia contar.
Ei-la que chega. Não é uma surpresa, aguardava-a, se fosse louco diria que até a desejava.
Aproxima-se descrevendo suaves ondulações no soalho da sala. Tenho de reconhecer-lhe
alguma elegância. Levo o copo aos lábios, faço a bebida dançar o tango na minha boca antes
de engolir e acendo um cigarro. Recosto-me ainda mais confortavelmente na poltrona.
Preparo-me.
Ela para o dois metros do sofá, enrosca o corpo numa espiral e levanta a cabeça vinte
centímetros acima do chão. Olha-me e eu enfrento aquele olhar.
A víbora.
Não sei quanto tempo ali ficámos. Ela imóvel e eu a fumar. Registei, aqui sim com surpresa,
a total ausência de medo.Ter-lhe-ia até sorrido, mas seria desigual, equivaleria a uma vitória
menor, pois o criador, na sua finita sabedoria, não lhe atribuíra essa prerrogativa.
Já chega, decidi. Apaguei o cigarro. Levanto-me e avanço. O bicharoco permanece quieto. Não
me senti heróico, nunca nos devemos sentir épicos por nos enfrentarmos, é seguro que alguém
pagará por essa tolice. Estendi a braço na direcção dela, os dedos da mão em forma de garra.
Vou esmagar-te a cabeça dentro do meu punho, atirar o teu corpo contra as paredes e fazer
desaparecer os pedaços. Nada restará de ti.
"Pai"
A minha filha esfregava os olhos de sono à entrada da sala.
" Sim. O que é que se passa. Devias estar a dormir."
" Tive um pesadelo. Um burro queria comer-me."
" Um burro. Podias ter escolhido um animal um pouco mais antipático, não te parece. O que é
que aconteceu? "
Sorriu.
" Dei-lhe um pontapé e ele fugiu."
Foi a minha vez de sorrir.
" Olha, olha, mas que menina tão corajosa que aqui está. Vá, vamos para a cama. Esse burro
já deve ir longe."
Olhei para trás. O meu bicharoco também desaparecera.
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Comentários
No canto
Acho que todos temos uma víbora no canto a olhar para nós, a diferença é que uns têm medo e outros não; uns aceitam-na e outros não. Mas no fundo, a diferença reside na capacidade de uns se reconhecerem e outros não...
Beijos :)
Reconhecimento
No canto que me toca, Lenore, dou comigo por vezes a pensar se não terei um zoológico inteiro, reconheço-o. Junto-me a si quando afirma que o que reconhecemos, em nós e nos outros, é fundamental. Por fim, mas não menos importante, estou-lhe também reconhecido pelo rasto de cumplicidade que as suas palavras aqui deixam e que me toca profundamente. Um sorriso e um beijo.
Boquiaberto
Foi como fiquei perante os dois miniromances que li.
O Senhor é um craque a brincar com as palavras.
Vê-se que é uma pessoa muito culta.
Um romancista de mão cheia.
Muitos parabéns
Gostei muito.
Abraço.
Jorge Santos.
Muito obrigado
Meu caro Jokalink, fico-lhe muito grato por estas suas entusiasmantes palavras. Peço-lhe que acredite que, de forma alguma, me deixaram indiferente. São um importante incentivo para quem gosta de colocar uma palavra atrás de outra e atrás de outra.
Um caloroso abraço.
Um texto daqueles que não
Um texto daqueles que não queremos que acabe. Parabéns. É belíssimo — em forma e conteúdo.
Olá Nyrleon, boa
Olá Nyrleon, boa tarde.
Agradeço-lhe as palavras que faz o favor de me deixar. Acredite
que são um importante incentivo para mim. Um abraço caloroso
e, mais uma vez, obrigado.
Olá Odete, boa noite. Peço
Olá Odete, boa noite. Peço desculpa se a desconcertei, mas se
depois conseguiu sorrir, forçosamente sorrir, talvez possa ter a
esperança de ser perdoado. Obrigado pelas suas sempre
atenciosas palavras. Um beijo.
Primeiro li com ar
Primeiro li com ar sério, pela originalidade discursiva, pois o texto desconcerta (-me/-nos) a dado passo.
Depois tive de sorrir, forçosamente.
A culpa é das palavras e de quem as sabe usar!!!
Bjo, José Sousa