Azulejos verdes

Os azulejos arrastaram-me em seu gelo até me ver enroscado em sua cerâmica
Neste gélido escombro secreto de casca áspera de parede.
Chutei minha lealdade para comigo mesmo.

As folhas das árvores são apenas folhas,
Mas não podem serem elas folhas de outras árvores?
E se fossem o que seriam?
Não quero ver folhas trocadas e misturadas numa aberração experimental.
O homem tem sua pele, olhos, boca, nariz, coração...
Troco meus dedos por galhos secos e velhos
Reinvento minha imagem
E nem me canso de brincar nas imaginações
Sobre o lago parado e sem correnteza.

Quando fito alguma coisa, tudo que não está ao centro de meus olhos transmuta-se,
As vozes são sons de riachos
Pássaros são céus cujas asas são nuvens
A chuva é leite derramado das tetas dos úberes da lua.

Os verdes... os verdes azulejos lembram?
Seriam se não tocados:
Intocáveis
Intocado
Como o infinito
Intocado
Como o pensamento ou o amor.

Tudo se perde e tento nascer novamente
Deixar tudo se perder.
Não quero saber mais nada
Quero redescobrir as coisas de maneira diferente...
As pequenas coisas sabem?

Chamar minha mãe de sonho, de cama ou lágrima
Chamar a vida de berço
Chamar a água de álcool
Chamar o cheiro de tato
Olhar e enxergar com o coração.

Chamar a guerra de paz
Chamar a paz de mentira
Chamar o amor de ódio...
Quero chamar o amor de ódio.

E como seria gostoso alguém dizer para sua mãe,
Que não é mãe e sim sonho, cama, ou lágrima
Que sente ódio dela para depois beijá-la?
Mas o beijo não é beijo,
Pois denomino-o cuspe.
E como seria interessante alguém cuspir como se fosse um beijo?

Não sei mais onde estou ou o que estou fazendo.
Tento parar, mas não consigo.
Não vou mudar nada.
O céu tem o seu azul, nuvens
O pássaro o seu céu
A árvore a sua terra.

O homem não tem nada porque ele quer tudo,
Apesar dele parecer ter e ser alguma coisa.

Forço a dizer na ânsia de querer saber a quem nós pertencemos.
Às vezes penso que somos fruto de um sonho primata
Aspirado por uma criança medrosa.
Acabrunhados estão os frutos das árvores humanas
E, mesmo assim a semente nunca deixa de brotar.
E brota de todos os jeitos
De todos os modos...
Sem terra fértil, sem água,
Isso porque somos tão férteis...

Vejo a morte lançar sua capa negra sobre o mundo...
Todos os dias, e meses, e anos.
Apesar do contratempo a semente germina, germina e germina.
A morte não põe fim em nada,
Mesmo parecendo sermos frágeis.

Somos prisioneiros do passageiro existencialismo da carne.

Nadamos no lodo verde do rio da vida.

Nas mãos escondemos o levante da Posse
Sem ao menos lutarmos para soltá-lo.

Os rios de sêmen vencem seus medos
No medo de não mais fecundarem.
Mas fecunda a fecunda mãe da selva
Prostituta dama de concreto e ferro.

O oceano domina e cerca o corpo da terra.
Novamente somos aprisionados no sal aquoso do mar.

Estou preso em minha pele.

Ó grande lei das coisas
Torne a todos nós divinos e imortais!

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Tuesday, December 15, 2009 - 20:19

Poesia :

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Alcantra

Alcantra's picture
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Comments

Conchinha's picture

Re: Azulejos verdes

Destaco:
"Às vezes penso que somos fruto de um sonho primata
Aspirado por uma criança medrosa."...

O homem não é imortal!
A espécie Homem receia agora também não o ser.

Gostei das tuas ideias.
Abraço

jopeman's picture

Re: Azulejos verdes

A inquietação de uma alma presa à carne

É maravilhoso ler-te

Abraço

ÔNIX's picture

Re: Azulejos verdes

Um prazer ter vindo conhecer as suas palavras e por conseguinte o seu sentir.

Um medo de ser e de querer ser que me afligiu um pouco, mas que me apeteceu voltar atrás e ler algumas passagens:

"O homem não tem nada porque ele quer tudo,
Apesar dele parecer ter e ser alguma coisa.

Gostei destes versos. Na verdade queremos tudo e nem sabemos quem somos, e se conseguimos abarcar tudo à nossa volta

Gostei de ler

beijo

Matilde D'ônix

cecilia's picture

Re: Azulejos verdes

Alcantra,

Sinto o grito, as unhas a ranger pelo azulejo não tocado, o véu foi rasgado mais será apenas um desabafo sobre a mediocridade que nos tornamos ou o homem preso dentro da própria jaula.

Somos prisioneiros do passageiro existencialismo da carne.

Abç
Cecilia

RobertoEstevesdaFonseca's picture

Re: Azulejos verdes

E por ser tão frágil, o homem quer ser forte criando mortíferos artefatos, achando que isso vai perpetuá-lo ante a morte do outro.
O desepero faz o monstro.

Ótimo poema!
Gostei imensamente.

Um abraço,
REF

MarneDulinski's picture

Re: Azulejos verdes

LINDO L TEXTO, GOSTEI!
MarneDulinski

Manuelaabreu's picture

Re: Azulejos verdes

Olá Alcantra
tua escrita mostra muita revolta num mar de criatividade e um mar de reflexão que faz parar qualquer um para pensar:

"O homem não tem nada porque ele quer tudo,
Apesar dele parecer ter e ser alguma coisa"

"Ó grande lei das coisas
Torne a todos nós divinos e imortais!"

Bonito e complexo poema :-)

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