Balthasar (enxerto)

Balthasar de Hirabia (em Gobi ) enxerto

Balthasar possuía longas barbas brancas como os suaves luares, rosto vergado pelos solstícios, era o único morador da longínqua Hirabia, no hostil deserto do Gobi.
Deixara uma carreira de geólogo ao serviço da enriquecida indústria petrolífera por um sonho antigo, abraçar o Deserto, no mais profundo silêncio que o espírito pudesse ouvir.
Não sentia a falta de horários, gentes e cidades. Via apenas o rasto de grandes aviões, cada dia mais numerosos sulcado o céu azul, com outros rumos, indiferentes a ele. Na noite contava as estrelas e constelações das quais ouvira apenas falar aos mais velhos das cidades cinzentas.
Aumentava diariamente o número de raposas do deserto famintas com que Balthasar tinha de partilhar a pouca comida que conseguia criar na pequena horta, ameaçada pela areia, nas traseiras das casas.
Casas Paralelepípedos da mesma cor do deserto e também elas desertas que davam um aspecto cubista à pequena colina dunal , uma única rua de areia ligava-a ao grande oceano de dunas e poeiras .Tinham partido todos para trabalhar nas grandes obras, nas magníficas mega construções humanas.
Os ventos, soprando das cidades longe,cada dia traziam mais e mais o cheiro a pestilência, ele sentia próximo os dias do fim, os dias em que também os seres humanos teriam de mendigar por comida, como as raposas suas vizinhas.
Nos céus, cada dia mais cinzentos ,deixou de ver as estrelas, os sons das máquinas estavam mais próximos, os aviões tornavam os dias nublados mas os seres humanos continuavam, cegamente a construir estradas e cidades , a destruir o único lugar onde poderiam viver.
Balthasar sabia-o, quando deixou para trás os homens , sabia que aqueles seriam os seus últimos dias de paz, em que poderia ver as estrelas e as constelações, de que tanto lhe falavam os antigos. Balthasar sentiu que os seus dias de ancião chegavam ao fim, feliz por os ter partilhado com a natureza, apesar de parecer inóspita e com as suas amigas,as lindas raposas famintas do deserto.

Jorge Santos

Submited by

Sunday, December 27, 2009 - 18:01

Prosas :

Average: 5 (1 vote)

Joel

Joel's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 1 week 4 days ago
Joined: 12/20/2009
Posts:
Points: 42103

Comments

Joel's picture

No mais profundo silêncio que o espírito pode ouvir.

No mais profundo silêncio que o espírito pode ouvir.

Add comment

Login to post comments

other contents of Joel

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Ministério da Poesia/General Percas, Carpas … 12 604 02/12/2025 - 09:38 Portuguese
Poesia/General Entreguei-me a quem eu era 5 670 02/11/2025 - 18:02 Portuguese
Ministério da Poesia/General Tomara poder tocar-lhes, 12 776 02/11/2025 - 17:58 Portuguese
Ministério da Poesia/General Duvido do que sei, 9 547 02/11/2025 - 17:56 Portuguese
Ministério da Poesia/General Recordo a papel de seda 6 195 02/11/2025 - 17:38 Portuguese
Ministério da Poesia/General Pois que vida não tem alma 20 372 02/11/2025 - 17:37 Portuguese
Poesia/General Não existo senão por’gora … 0 1.073 02/11/2025 - 17:25 Portuguese
Poesia/General Cedo serei eu 0 668 02/11/2025 - 17:23 Portuguese
Poesia/General Pra lá do crepúsculo 30 4.047 03/06/2024 - 11:12 Portuguese
Poesia/General Por onde passo não há s’trada. 30 4.525 02/18/2024 - 20:21 Portuguese
Poesia/General Sonhei-me sonhando, 17 5.744 02/12/2024 - 16:06 Portuguese
Ministério da Poesia/General A alegria que eu tinha 23 6.594 12/11/2023 - 20:29 Portuguese
Ministério da Poesia/General Notas de um velho nojento 7 4.137 12/06/2023 - 21:30 Portuguese
Ministério da Poesia/General (Creio apenas no que sinto) 17 2.941 12/02/2023 - 10:12 Portuguese
Ministério da Poesia/General Vamos falar de mapas 15 8.805 11/30/2023 - 11:20 Portuguese
Ministério da Poesia/General São como nossas as lágrimas 9 2.010 11/28/2023 - 11:11 Portuguese
Poesia/General Entrego-me a quem eu era, 28 3.865 11/28/2023 - 10:47 Portuguese
Ministério da Poesia/General O Homem é um animal “púbico” 11 5.718 11/26/2023 - 18:59 Portuguese
Ministério da Poesia/General A essência do uso é o abuso, 1 4.706 11/25/2023 - 11:02 Portuguese
Ministério da Poesia/General Insha’Allah 2 2.820 11/24/2023 - 12:43 Portuguese
Ministério da Poesia/General No meu espírito chove sempre, 12 2.653 11/24/2023 - 12:42 Portuguese
Ministério da Poesia/General Os destinos mil de mim mesmo. 21 7.703 11/24/2023 - 12:42 Portuguese
Poesia/General “Daqui-a-nada” 20 5.433 11/24/2023 - 11:17 Portuguese
Ministério da Poesia/General Cada passo que dou 0 2.830 11/24/2023 - 09:27 Portuguese
Ministério da Poesia/General Quem sou … 0 3.427 11/24/2023 - 09:26 Portuguese