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Catarse

Deixo-me embalar por sons, por representações, imagens, idealizações. Conheço os meus fantasmas, consigo distinguir claramente os seus traços, a relampejarem, na penumbra da noite, à minha espera. Aprendi a não temer a sabedoria antiga, abraço o crepúsculo em toda a sua plenitude e claridade indistinta. Quando as cores se tornam mais marcadas, procuro o azul e a cor púrpura, que como uma candeia flamejante, ardem com paciência. As velas ardem até ao fim. Isto é mais que uma formulação mística ou apelo à oração, é um estado de alma. Como diz o velho ditado “Até ao levar dos cestos é vindima”. Enquanto for dia, enquanto houver vida dentro de nós há que trabalhar, só depois de se afastarem os males e vícios pela acção sagrada e depuradora do exercício das faculdades humanas, poderemos então dizer que a jornada se acabou e é tempo de descansar. Novembro traz-me muitas memórias dos meus mortos, um frio que gela os ossos e me faz sentir como se estivesse no Pólo Norte. Hoje é Domingo, dia em que perdi uma segunda mãe, um pilar, algo irreparável, alguém de um coração enorme, gigantesco, com uma dedicação e amor sem igual, que poderia passar uma vida inteira sem entender mas que felizmente agora compreendo. Consigo ver um sentido para o desfalque, para as grades que me aprisionaram tanto e não me queriam deixar sair antes do tempo. Senti-me envelhecer antes do tempo, podiam dizer que a vida continuava mas eu sentia que tudo tinha parado, que algo se tinha quebrado no equilíbrio precário entre a minha infância e crescimento: os motivos para tentar ser perfeita já não existiam mais; por dentro não parava de doer. Deviam haver terapias gratuitas, maneiras simples de arrancar as raízes de uma perturbação tão forte, de fazer desaparecer todos os sintomas, todas as causas, todas as implicações na realidade. Mas há apenas o acumular dos meses e anos, as palavras de conforto, de encorajamento quando escasseia a vontade. Há vidro frágil que se parte uma e outra vez, numa repetição monótona, quase previsível mas que nunca deixa de latir o seu lamento. Para me auto-defender criei uma estrutura glacial dentro do meu coração, protegi-me com ideias pré-concebidas que murmurei sem sequer acreditar nelas, deixei de confiar nas pessoas ingénua e inteiramente, escondi-me dos juízos, das avaliações, dos espelhos, dos pesos e medidas, de tudo o que me pudesse preocupar e alterar ainda mais. Exigi mais a mim própria do que trabalhei para dar, sem entender que não há duas pessoas iguais e que nem tudo pode estar em perfeita simetria. Falhei, errei, cansei-me, dei voltas e voltas sem sair do mesmo sítio. Nunca criei amigos imaginários, não tive jamais necessidade disso, ordenei-me o melhor que pude, como uma trapezista de circo a sentir os pés vacilar, enquanto olha em frente, para criar os movimentos perfeitos, elegantes e graciosos que toda a gente vê e admira. Talvez a vida seja apenas um circo com palhaços e toda a espécie de números para entreter, numa grande balbúrdia onde se cometem atrocidades e se tenta disfarçar qualquer tumulto com risos estridentes que ecoam pelas paredes. Eu sinceramente, preferia que a vida fosse encarada como uma selva e não de forma negativa. Apesar de reinar a lei do mais forte, onde os mais débeis são devorados pelos famintos e aniquilados em menos de segundos, há sempre uma grande diversidade. Elefantes, leões, veados, hienas, chitas, rinocerontes, zebras… Há choupanas acolhedoras de madeira construídas com todo o amor do mundo para todos coabitarem, existirem e se respeitarem mutuamente. É como na história do Tarzan, no momento em que ele conhece a Jane e nunca mais a esquece. É tudo uma questão de se aprender a cativar o bem que se deseja. E deixar correr para fora as emoções, naturalmente como numa queda-de-água, numa catarse perfeita.

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quarta-feira, maio 27, 2009 - 23:55

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Paulagouveia

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Comentários

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Re: Catarse

Mais um belo texto
Gostei muito
Bjos

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