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O batimento do coração
Quem era eu antes? Quando era criança? Era decidida, trabalhadora, ambiciosa independente, objectiva, imparcial, profissional… Não precisava de mais ninguém para além de mim. Alegrava-me a minha fé em Deus e os estudos a que me dedicava aplicadamente. Era assim a minha vida. O que não tinha não me fazia falta porque tudo estava dentro de mim. Cresci. Agora sou uma rapariga angustiada com o destino e com as escolhas que faço, dormente, sonhadora, carente, subjectiva, parcial, humana. Preciso tanto dos outros, de afecto, atenção, carinho, compreensão, confiança, valor. É como se fosse uma fonte sem água: a minha sede é inesgotável e não se satisfaz com nada menos que amor. Tenho família, amigos mas continuo com um vazio abismal no peito. Às vezes não consigo acreditar com facilidade no divino, não sou entusiasta nem decidida, a criatividade esvai-se por entre os dedos. Passou tanto tempo, pesado como chumbo e a minha história é a mesma: páginas em branco sem aquilo de que todos precisamos mas não consigo encontrar e que me faz tanta falta. Faz-me falta partilhar todas estas emoções, pensamentos e tristezas, ter um ombro para me apoiar, uma pequena fortaleza que me ampare neste mundo. Quando nascemos somos apenas bebés pequenos e adoráveis que precisam somente de satisfazer as suas necessidades básicas que consistem em mamar, brincar, dormir, ser acarinhados. Nada mais além disso. Somos protegidos como que numa redoma de cristal da confusão e mediocridade do exterior, aconchegados no regaço terno e generoso das nossas mães, sem nada para pensar. É um tempo santo, se pensarmos bem. Vida no seu estado puro sem ainda serem aprendidas as vicissitudes que ser humano implica. Agora sou crescida e percebo que os adultos vivem um quotidiano complexo, preocupante, onde os afectos, outrora primordiais, passam para segundo ou terceiro plano. Não está certo. Somos como uma máquina com milhões de gavetas diferentes e em cada uma delas escondemos uma faceta da nossa personalidade que não queremos mostrar aos outros nem a nós próprios. Para onde foram a honestidade e a verdade? Há tanta coisa tumultuosa, meu Deus! Pilhas de coisas que se entulham dentro das nossas cabeças que nos fazem esquecer facilmente que para além de respirarmos, trabalharmos e respeitarmos, temos uma variedade de possibilidades de vida. Há muito mais que o preto e branco; muitos outros tons se apresentam á nossa disposição. Se temos um cérebro comandado pela razão, porquê negligenciar uma alma sublime e orgânica que não reflecte de forma metódica ou interesseira sobre nada, apenas sente? Pulsa, agita-se, molda-se à volta das emoções. Posto tudo isto pergunto-me: quando é que o batimento do coração deixa de ter um significado apenas biológico para assumir também uma conotação amorosa? Porquê ele e não outro órgão diferente? A resposta, se a há, não a sei dar. Mas o que sei é o seguinte: o coração precisa de ser acompanhado, observado, bem tratado. Não pode ser negligenciado ou rejeitado, se o for dói demasiado. Quando se encontra a pessoa que nos faz brilhar mais que as estrelas e voar mais alto que um colibri, sabemos que estamos presas, a tecer células, a fazer correr o nosso sangue e as nossas moléculas em direcção a ela, aonde quer que essa pessoa se encontre. O amor não conhece nenhum tipo de barreiras, muito menos as do espaço e do tempo. E o coração quer desesperadamente vencê-las, ele que é o nosso centro vital, a nossa luz. É por isso que em cada batimento chamo baixinho por quem possa alterar todo o seu malogrado funcionamento, ele não pára de bater e suplicar na esperança de que um dia não seja abandonado mais uma vez, que se ouça o seu “Fica aqui comigo”.
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