Esquecer é ser esquecido

Esquecer é ser esquecido e saudade a substância do vidro,

Um adormecer em forma de dom, em que consciência
E apego são bastardos naturais de uma mesma escara,
Nascidos no ventre uma de outra como tumores, abscessos
Malignos, ambos com igual instinto, cada um nega
Parentesco e origem, coisa triste o’dormecer da vontade,

Confesso a indiferença, sobrevivo nulo perante crenças
Fuinhas, confundo a porta dos fundos com a plateia,
Sendo eu próprio escalador de vácuos e espectador
Assumido de mim mesmo, que o digam os acenos
Sem conteúdos, as palmas de despedidas, mas eu atuo
Como um deus seminu de brilho, não suporto fingidas cenas,

Sou opinativo do tutano à nuca por não ter certezas
Concluídas nem nunca um modo de ver tão simples
Quanto o espectro da candura, sou por direito absoluto
Monarca como fardo, e um tísico embora o meu espirito
Seja dono do mundo por não haver outro, tirando este
O qual amo mais que tudo, esquecer é ser esquecido,

Nasci liberto de domínio e é assim que serei, desprezo
Tiranos altivos como proas de navios decretando quem
Morre e quem fica perene, embora cacos de lembranças.
Tudo é poesia, até o que se esquece, acontece-me às vezes
Esquecer aquilo que não quero e concluo ser alergia
Ao que suponho querer e não me faz falta nem quero,

Esqueço em homenagem a mim próprio e ao absurdo
Ensejo que é ser suposto facto e não ciente realidade,
Qual ritual duvido de coração e alma. Agora é pra sempre,
Fui descuidado na seleção do que se esquece, esqueci
Ainda ontem a utilidade como se fosse uma derrota
E a saudade do que hei-de ser eu não, a ilusão do sonho

Ou o trinfo da morte concreta, o crepúsculo não se
Mede, nem é uma ciência, do meu coração às vezes
Duvido, mente-me acerca de um régio destino e eu
Indigno do que creio ter, um raro instinto de poente,
Saudade é gente que o esforço não apagou e a maioria
Vive em mim, ser esquecido é esquecer, escolha-visco.

Admito tecer por dentro uma teia com fios de vidas
Que mais parecem sonhos de vidas que não tenho
Mas conheço ainda que doa não ser eu um outro ser
Menos fragmentado entre consciência do desapego,
O chocolate e a cereja, o paladar da estranheza,
O prazer de ser esquecido como manifesto à indiferença,

Encaro-me com o desapego que tão dolorosamente
Represento a sós comigo, chamo-lhe de “necessidade
De me sentir vivo” essencial à falha de que me rodeio,
Sem que me aperceba não sou eu, mas um outro eu,
Semelhante a mim mesmo e enfim esquecido,sobejo  …

Joel Matos (Junho 2020)
http://joel-matos.blogspot.com

https://namastibet.wordpress.com

Submited by

Monday, September 28, 2020 - 14:47

Poesia :

Your rating: None (1 vote)

Joel

Joel's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 9 hours 2 min ago
Joined: 12/20/2009
Posts:
Points: 43158

Comments

Joel's picture

obrigado pela leitura e pela partilha

obrigado pela leitura e pela partilha

Add comment

Login to post comments

other contents of Joel

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Poesia/General Água turva e limpa 28 376 12/11/2025 - 21:26 Portuguese
Poesia/General Escrever é pra mim outra coisa 26 683 12/11/2025 - 21:24 Portuguese
Ministério da Poesia/General Mãos que incendeiam sóis, 18 229 12/11/2025 - 21:23 Portuguese
Poesia/General A morte tempera-se a frio 18 256 12/11/2025 - 21:21 Portuguese
Poesia/General Atrai-me o medo 33 342 12/11/2025 - 21:21 Portuguese
Poesia/General Não sendo águas 23 138 12/11/2025 - 21:20 Portuguese
Ministério da Poesia/General Nunca fiz senão sonhar 27 347 12/11/2025 - 21:19 Portuguese
Ministério da Poesia/General O Ser Português 29 321 12/11/2025 - 21:18 Portuguese
Ministério da Poesia/General Sou homem de pouca fé, 25 340 12/11/2025 - 21:18 Portuguese
Ministério da Poesia/General Às vezes vejo o passar do tempo, 19 267 12/11/2025 - 21:17 Portuguese
Ministério da Poesia/General Meia hora triste 19 119 12/11/2025 - 21:16 Portuguese
Ministério da Poesia/General Não fosse eu poesia, 24 324 12/11/2025 - 21:15 Portuguese
Ministério da Poesia/General No meu espírito chove sempre, 27 280 12/11/2025 - 21:13 Portuguese
Ministério da Poesia/General Salvo erro 19 172 12/11/2025 - 21:13 Portuguese
Ministério da Poesia/General Sal Marinho, lágrimas de mar. 23 154 12/11/2025 - 21:11 Portuguese
Ministério da Poesia/General O sonho de Platão ou a justificação do mundo 20 375 12/11/2025 - 21:11 Portuguese
Ministério da Poesia/General Horror Vacui 34 693 12/11/2025 - 21:09 Portuguese
Ministério da Poesia/General Dramatis Personae 20 202 12/11/2025 - 21:08 Portuguese
Ministério da Poesia/General Adiado “sine die” 20 143 12/11/2025 - 21:08 Portuguese
Ministério da Poesia/General “Umano, Troppo umano” 21 153 12/11/2025 - 21:07 Portuguese
Ministério da Poesia/General Durmo onde um rio corre 20 251 12/11/2025 - 21:06 Portuguese
Ministério da Poesia/General Deito-me ao comprido 33 279 12/11/2025 - 21:05 Portuguese
Ministério da Poesia/General Me dói tudo isso 16 342 12/11/2025 - 21:04 Portuguese
Ministério da Poesia/General “Ave atque vale” 31 404 12/11/2025 - 21:03 Portuguese
Ministério da Poesia/General Da interpretação ao sonho 23 212 12/11/2025 - 21:02 Portuguese