CONCURSOS:

Edite o seu Livro! A corpos editora edita todos os géneros literários. Clique aqui.
Quer editar o seu livro de Poesia?  Clique aqui.
Procuram-se modelos para as nossas capas! Clique aqui.
Procuram-se atores e atrizes! Clique aqui.

 

Feitiço da Terra

Feitiço da Terra

A Vila de Coca não constava no mapa, lugarejo húmido e circular construído sobre estacarias na beira pantanosa do rio Napo, um afluente vigoroso do Amazonas e local onde um velho autocarro, cheio de galinhas e gente, regressava semanalmente, perante o alvoroço dos Quinchuas e estancava ruidoso em redor de um enorme pau, que servia também de porta-estandarte ao único militar equatoriano destacado naquela última fronteira.
Pressentia-se sempre o início das tempestades quentes que assolavam Coca com frequência, como um pesado pano desciam sobre o palco esfusiante de verde naquele perdido pedaço de mundo ao som de mil tambores e , quando subitamente paravam, restava apenas metros de água barrenta sob barracas velhas como jangadas em oceano aberto.
O baixar das águas era um frenesim de galináceos que corriam como doidos, bicando grandes vermes de todos os feitios na lama que chegava aos joelhos de quem se aventurava na rua.
Aos sons nocturnos não faltavam nenhumas notas musicais, estavam todas lá, e ao mesmo tempo.
Toda a floresta respirava vapor e cheiro a uma humidade constante que dilatava os poros e cansava o corpo.
Dormia-se as sestas em redes suspensas , mas somente até as crianças chegarem da missão católica , já sem a farda estrangeirada imposta pelos padres e chapinharem nus e felizes gritando alto nas águas quentes do rio.
Belén também era um nome estrangeiro,foi dado a uma menina Quinchua que nadava como os peixes , com os Botos brincava todas aquelas tardes encantadas, longos cabelos dourados como as águas do Napo com que se confundia nas noites de grande luar, parecia fazer parte dele.
Sem família, simplesmente apareceu e depressa cativou a simpatia de todos, com gargalhadas alvoraçadas muito semelhantes às vocalizações dos golfinhos que se ouviam por toda a aldeia.
Dizia que era filha de um boto do rio Pastanza e a mãe da aldeia de Belén , daí ter recebido esse nome em sua memória .Talvez pai e mãe voltassem uma noite de luar para a levar , suspirava ela.
As incessantes aguas e as estações desceram muitos rios com a confiança de sempre, Belén tornou-se mais bela e esguia e cada dia mais inseparável do rio e de um Amigo Aymara chamado mayo , jovem que nasceu mudo e vivia num mundo muito próprio, falava com as estrelas , o vento e a floresta, via o horizonte como ninguém mais por ali, tinha olhos verde profundo e a pele cor de terra, Chamavam-lhe feiticeiro e era inseparável do feitiço de Belen como a vida é inseparável da Terra.
Chegaram um dia os engenheiros e as grandes máquinas infernais, diziam que iam trazer o progresso, construíram estradas e barragens, Coca ficou fazendo parte do mapa turístico do Equador, construíram-se hotéis nas grandes árvores, a vila cresceu e esqueceram a sagrada simbiose com a mãe natureza.
Sem aviso numa noite quente de luar Belén desaparece, viram-na ao longe na curva do rio, distanciando-se no luar, cabelos dourados em turvas e turbulentas águas.
Mayo perdeu o verde nos olhos, tornaram-se vagos e cegos, a pele ficou seca, parou a chuva e o rio secou, deixaram-se de ouvir os botos , os caimões na noite e as aves na floresta.
Mayo deixou de falar com o vento e as estrelas, deixou de ver o horizonte verde, agora todos tinham acesso a altas torres de comunicações mas mesmo assim não liam os sinais da Terra, deixaram de compreender o feitiço de mayo.
Mayo deixou-nos a todos, com a tristeza ,os profundos olhos verdes secaram, a linda Belén não mais foi vista,os cabelos dourados, nadando na distancia do rio Napo, ao luar….
Talvez tenha encontrado o pai ,que vivia no Pastanza e a mãe de Belén e ainda nade no que resta do grande Amazonas.
Talvez não, porque Mayo e Belén eram inseparáveis, como o feitiço da Terra e o encantamento das águas…


J.Santos

Submited by

sexta-feira, janeiro 7, 2011 - 16:56

Prosas :

No votes yet

Joel

imagem de Joel
Offline
Título: Membro
Última vez online: há 2 semanas 3 dias
Membro desde: 12/20/2009
Conteúdos:
Pontos: 42009

Add comment

Se logue para poder enviar comentários

other contents of Joel

Tópico Título Respostas Views Last Postícone de ordenação Língua
Ministério da Poesia/Geral Vivo do oficio das paixões 1 3.440 06/21/2021 - 14:44 Português
Ministério da Poesia/Geral Patchwork... 2 4.193 06/21/2021 - 14:44 Português
Poesia/Geral A síndrome de Savanah 1 5.220 06/21/2021 - 14:43 Português
Poesia/Geral A sucessão dos dias e a sede de voyeur ... 1 7.073 06/21/2021 - 14:42 Português
Poesia/Geral Daniel Faria, excerto “Do que era certo” 1 4.727 06/21/2021 - 14:41 Português
Poesia/Geral Objectos próximos, 1 4.834 06/21/2021 - 14:40 Português
Poesia/Geral Na minha terra não há terra, 1 3.558 06/21/2021 - 14:38 Português
Poesia/Geral Esquecer é ser esquecido 1 3.254 06/21/2021 - 14:37 Português
Poesia/Geral Perdida a humanidade em mim 1 3.875 06/21/2021 - 14:37 Português
Poesia/Geral Cumpro com rigor a derrota 1 3.774 06/21/2021 - 14:36 Português
Poesia/Geral Não passo de um sonho vago, alheio 2 4.294 06/21/2021 - 14:36 Português
Ministério da Poesia/Geral A sismologia nos símios 1 4.922 06/21/2021 - 14:35 Português
Ministério da Poesia/Geral Epistemologia dos Sismos 1 3.855 06/21/2021 - 14:34 Português
Ministério da Poesia/Geral Me perco em querer 1 2.740 06/21/2021 - 14:33 Português
Ministério da Poesia/Geral Por um ténue, pálido fio de tule 1 4.135 06/21/2021 - 14:33 Português
Ministério da Poesia/Geral Prefiro rosas púrpuras ... 1 2.585 06/21/2021 - 14:33 Português
Ministério da Poesia/Geral A simbologia dos cimos 1 2.745 06/21/2021 - 14:32 Português
Ministério da Poesia/Geral Pangeia e a deriva continental 1 4.908 06/21/2021 - 14:32 Português
Poesia/Geral Minh’alma é uma floresta 1 1.708 06/21/2021 - 14:31 Português
Poesia/Geral O lugar que não se vê ... 1 2.764 06/21/2021 - 14:31 Português
Poesia/Geral Meus sonhos são “de acordo” ao sonhado, 1 3.554 06/21/2021 - 14:31 Português
Poesia/Geral Apologia das coisas bizarras 1 2.169 06/21/2021 - 14:30 Português
Poesia/Geral Gostar de estar vivo, dói! 1 2.114 06/21/2021 - 14:30 Português
Ministério da Poesia/Geral Os Dias Nossos do Isolamento 1 3.396 06/21/2021 - 14:28 Português
Ministério da Poesia/Geral Permaneço mudo 1 2.490 06/21/2021 - 14:28 Português