Memória de ti, André V.


É frequente pensarmos em pessoas que já passaram pela nossa vida profissional. Se bem que, se as evocamos, é porque o pessoal não ficou alheio. Pessoas, ainda que se encontrem na fase etária designada criança e/ou jovem. Escrevo sobre elas, em prosa ou verso, conforme o momento, o tempo e as circunstâncias. Explicitamente ou veladamente. Mas são centrais, não apenas pretexto para escrevinhar.
Trago em mente um jovem. Sorridente, um olhar dócil que foi crescendo em contexto escolar, com alguma harmonia, até ao dia em que se cansou. Debalde, os meus (e de outros intervenientes educativos) argumentos. Sentia que tinhas razão nesse cansaço, mas não te podia deixar transparecer a irritação surda que me tomava perante barreiras reais, intransponíveis, apesar de exercer funções diretivas, à época.
Menino com acentuada surdez devido a um azar do destino. Vítima de um acidente, aos 3/4 anos que te lesionou para a vida, num país onde os recursos físicos e humanos eram, na altura, muitos escassos, impossibilitando que a s tuas capacidades fossem desenvolvidas. Obrigado seguir o mesmo currículo dos colegas por mais  adaptações que fossem operadas, como te fazer apreender os conceitos que só a palavra consegue? Entendia-te, entendias, no que era básico em termos comunicacionais. Foste feliz, na escola, enquanto pudeste.
Todos somos culpados porque nos acomodamos, porque não gritamos ainda mais quando é preciso. Tinhas direito à aprendizagem da língua gestual, língua materna que os surdos reclamam. E têm razão! Se este país quisesse que todas as crianças tivessem igualdade de oportunidades, trabalharia há muitas décadas para esse desígnio.
Ocorreu-me que, só quando alguma dita “figura pública” tem no seu seio uma criança diferente, é que se consegue algo mais. Se tivessemos governantes com problemáticas deste género, estou convicta que se revoltariam com os dinheiros mal parados que tanta falta fazem para investir em equipamentos e recursos humanos em favor da tal igualdade de oportunidades, plasmada na Constituição da República.
Ocasionalmente cruzámo-nos, André, quase sempre na companhia da tua mãe, mulher fabulosa entre rochedos nascida. Tal com tu! Sorris, sempre. Derreto-me mas a mágoa da minha impotência permanece…
Não lerás este texto, nem sequer imaginas que tenho um blogue. Contudo, apetece-me percorrer alguns quilómetros e saber de ti, da tua vida. Em todo o caso, algo saberei pela colega e amiga que vive no mesmo local. Sempre a escola, a ligar as pontas soltas, seja a formal ou a da vida! Um sorriso enlaçado, André V. em azul!


Odete Ferreira - 11-09-2011
 

Submited by

Thursday, September 22, 2011 - 23:22

Prosas :

No votes yet

Odete Ferreira

Odete Ferreira's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 6 years 16 weeks ago
Joined: 01/11/2011
Posts:
Points: 1924

Add comment

Login to post comments

other contents of Odete Ferreira

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Poesia/Sadness Entardecer com sabor a despedida 1 4.467 03/15/2018 - 13:59 Portuguese
Poesia/Sadness Música 1 3.656 03/15/2018 - 13:58 Portuguese
Poesia/Disillusion Apenas mais um dia 1 5.063 03/15/2018 - 13:57 Portuguese
Poesia/Meditation Se a vida fosse sempre assim 1 5.217 03/15/2018 - 13:56 Portuguese
Ministério da Poesia/Fantasy Seres incompletos 3 7.488 03/15/2018 - 13:56 Portuguese
Prosas/Others No sopé da montanha 1 3.988 03/08/2018 - 19:01 Portuguese
Poesia/Meditation Tempo(s) 1 4.507 03/08/2018 - 18:43 Portuguese
Poesia/Fantasy Surrealidades 1 5.187 03/08/2018 - 18:42 Portuguese
Poesia/Sadness Emocão 5 6.127 03/08/2018 - 16:48 Portuguese
Poesia/Dedicated Mulher-Dor 3 4.595 03/08/2018 - 16:14 Portuguese
Poesia/Intervention E a festa veste-se em cada madrugada 3 4.957 02/27/2018 - 11:43 Portuguese
Poesia/Meditation À míngua 0 5.704 12/30/2015 - 22:36 Portuguese
Poesia/Intervention Não invoquem o meu nome em vão 0 4.973 11/25/2015 - 02:18 Portuguese
Prosas/Others Da alma 0 3.853 09/01/2015 - 19:58 Portuguese
Poesia/Fantasy Surreal XXVIII 0 4.393 09/01/2015 - 19:29 Portuguese
Poesia/Intervention Da destemperança 0 6.007 08/26/2015 - 01:35 Portuguese
Poesia/Meditation E no entre-Tanto faço caminho 0 4.565 07/02/2015 - 23:55 Portuguese
Poesia/Meditation E continuamos pequeninos! 0 5.323 06/02/2015 - 20:15 Portuguese
Poesia/Intervention Nem te renego nem me nego 0 5.156 04/25/2015 - 02:08 Portuguese
Poesia/Dedicated Laudatória 0 3.870 03/24/2015 - 19:03 Portuguese
Poesia/Dedicated És...Mulher 0 4.367 03/08/2015 - 18:53 Portuguese
Poesia/Love Vida(s) 0 3.776 02/14/2015 - 18:07 Portuguese
Poesia/Love Moras nos meus sonhos 0 4.803 02/13/2015 - 16:30 Portuguese
Poesia/Dedicated Olhares 0 4.874 01/22/2015 - 01:58 Portuguese
Prosas/Others Do exato momento da VIragem 0 5.430 12/30/2014 - 14:27 Portuguese