Resistência e rasgo
Não te tem sido fácil, bem sei. Nem nada, nem nunca, o é. Mas, de alguma forma,
consegues fazer com que o pareça. Ensina-me essas palavras mágicas que usas
vezes e vezes sem que nunca se gastem. São muito mais poderosas do que estas
que sinto e escrevo.
O discurso sobre o estado da nação que a empresa te pediu para ontem. Feito,
corrigido e entregue. O miúdo que acordou com chichi. Lavado, incentivado e a
dormir. Os restos mortais do jantar. Separados, encaixotados e despachados para
o frigorífico na esperança de uma ressurreição. A miúda que se pintou a ela. aos
espelhos e azulejos da casa de banho, com os teus batons e outras tintas de
interiores. Tratada por "você" enquanto limpava, perguntando porque sorrias e
mandada para a cama sem o copo de leite que a tradição manda. E depois, claro,
ainda eu.
Pois, eu; bom, eu tento. E este tento nada tem de fugídio, tu sabes. Estou ao teu
lado, aqui um passo à tua frente, ali um atrás de ti. Mas sei, sei-o mesmo, que
não sou eu o maratonista.
A mim, o rasgo. A ti, a resistência.
Gosto de te observar assim, deitada, serena, tranquila. Por favor não acordes. Gosto
de sentir que não ouve o turbilhão do ontem e que a tempestade do amanhã
demorará a chegar. Só aqui, na ressaca das minhas madrugadas de escrita, quando
me deito ao teu lado, isso se torna possível.
Estou-te profundamente grato pelo que me dás, pelo que me deixas dar-te e, até, pela
consciência do que nunca te serei capaz de dar.
Para rasgo e resistência ou resistência e rasgo não está mal, pois não.
Não respondas. Peço-te, descansa.
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Comments
Maravilhoso. Uma partilha...
Maravilhoso.
Uma partilha... aceitação, na cumplicidade muda dos dias...
O trabalho. Essas tarefas que quando a desprazer formam filas rotinadas... imagens espectrais do que rejeitariamos se só do amor e prazer vivessemos.
Resta o descanso.
Conforto merecido da energia "roubada" em afazeres tão necessários quanto vazios de expressão... pragmatismo/organização em luta com prazer - a comoção dos sentidos e sentimentos. O conflito do dia-a-dia. Se o tempo não nos levasse para lugar incerto... se esse vento parasse por um momento...
Busca-se cumplicidade mesmo nas pequenas coisas.
Vai longe a admiração. Vai certo esse amor.
Parabéns.
Abraço.
Meu caro
Meu caro Ricardo
Agradeço-lhe as palavras que aqui me deixa. Acredite: são um
importante incentivo. Concordo em absoluto consigo, nesta
formatação de dia a dia a que as nossas vidas muitas vezes
estão confinadas, o descuido é a morte do ou da artista. Pois...
a desatenção como uma fissura que se vai alargando até ao
abismo. Desafiante. Mais uma vez o meu muito obrigado e, se
me permite, dou-lhe desde já os meus sinceros parabéns pela
"Densidade" de um texto seu em que tropecei. Um forte abraço.