Eu vos saúdo Maria
Matarei, sim matarei em tempos irresolutos resquícios sobrados de saudosismos homicidas.
Ando ás tantas, ás vezes sem conta, a encontrar-me comigo ás escondidas do presente.
É de morte que falo, de enterrar o passado, talvez esmurra-lo e cuspir-lhe em cima.
Amontoar o lixo dos anos e pegar-lhe fogo!!!
Juro que tenho tentado…
São sete da tarde… ou da noite, que nunca me dei ao elitismo das horas, nunca me pus a jeito do tempo.
Está uma fila infernal e estou a assar ideias de morte, de gasganetes apertados, de fúrias contidas, o carro e eu aquecer ao mesmo tempo, os reclamos luminosos da Makro, do Aki, do Allegro (acho que ali era o Jumbo…ou ainda é), a ferir-me sensorialmente a má disposição… e berro…
FILHOS DA PUTA, ANDEM COM ESSA MERDA!!!
Não tenho nada de breve para fazer, nenhum encontro inadiável…só uma paixão em espera que deve estar num engarrafamento na outra ponta da cidade a gritar por mim…FILHOS DA PUTA…
Nestes dez minutos que me obrigou o trânsito a estar sozinho comigo, já me passaram pela cabeça vários “ontems” em sequência aleatória que me encontram em letargia a trejeitear sorrisinhos qual Doroteia alucinada, com festinhas do liceu, fumarolas com os amigos e verões na Costa da Caparica.
Ai…quem me dera ter 18 anos outra vez…
Quem me dera uma pôrra!!!
Queria é que o trânsito desempancasse para me pôr milhas, a palminhos, a andar daqui para fora, para fora de mim, para fora do carro, para fora das lembranças que me começam a assaltar em biblioteca, ele é a gaja do Corsa ao lado, que traz o Nabokov tatuado naquela tromba de Lolita, a mascar pastilha elástica, ele é gajas e mais gajas a abafar dentro de Méganes, Puntos, Smart`s e o Henry Miller no calor deste fim tarde a comer-me as gajas todas em cima dos capot´s, sou eu na faixa do meio e o Burroughs num Saxo azul a partir um granda porro, isto tudo, “on the road”, com reclamos alucinógenios a anunciar mobílias em promoção sem sombra do Kerouack.
Pronto…buzinadelas dessincronizadas e agora desvaira a loucura a meio do fim dos cabos d'avila, as melopeias tétricas do Jonh Cage com o Luiz Pacheco em cuecas a masturbar-se nos rail´s na crava de vinte paus aos engravatados do costume…
Estrada acima multicolor, os carros são uma tela, vomitada em bebedeira num lampejo do Pollock sob um trânsito niilista ao encontro do Tzara, que se sentou no tablier a calar-me o cérebro a mil…
Filhos da Puta!!!
Apetecia-me esparguete, apetecia-me o telemóvel, apalpo, não vi o Charles Mason nem o ministro das finanças sentados ao meu lado…Merda, onde estás???Ah, achei!!!
Toca…chama, chama…
-Estás aonde?
-Nas portas de Benfica…está uma fila do pior, e tu?
-Pá, fodasse, estou pra aqui destilar, parado nos cabos d'avila…apetecia-me esparguete…
-Tu não gostas de esparguete!!!
-Pá apetece-me…
-Depois um filme?
-Pode ser, mas nada das tuas merdas que tenho carro cheio de fantasmas á boleia para a Amadora…
-Tenho de desligar…amo-te…té já…
Estradas, estradas, estradas, IC’s, Crel’s, Cril´s, rotundas, acessos…
Será que há algum gajo nas portas de Benfica sozinho como ele próprio, a olhar para o Fiesta e a ver uma Lolita a mascar pastilha elástica a falar ao telemóvel…
Que se lixe.
Esparguete!!!
Este é o tempo de falar, é o tempo que passou e me traz aqui sem medos a reclamar que sou matéria dentro de um carro em desfile de reencontros pretéritos.
Pôrra estava a ver que não, agora é pé na tábua, vou atropelar o passado, vou atropela-los a todos fantasmas dum cabrão, esmagar o Pasolini, uma panada no Truffaut, estrada livre, semáforos todos verdes, não há gajos, não há gajas, não há filmes do passado a realizar engarrafamentos de alma á entrada da Amadora.
Deixem-me passar…FILHOS DA PUTA!!!
Se ela chega primeiro lá se vai o meu esparguete á troca com uns hambúrgueres e batata pré-frita a seleccionar um filme de um Finlandês qualquer…
Arvores…muitas árvores, está a chegar a minha zona…Pé na tábua…
E um pato a escorrer escancarado, a cabidela sebosa da tia Alice, no meio daquele eucaliptal profanado por meia dúzia de vivendas de novos-ricos pasmados com a facilidade de ganhar dinheiro na Suíça ou na Alemanha.
A tia Alice, que era minha tia não sei muito bem porquê, tinha-se como amestrada francesa, à conta de trinta anos a fuçar como uma porca numa fábrica em Besançon…
Porque é que estou a pensar nisto?
Esparguete, esparguete, esparguete…
Pisca, o Fiesta já cá está…paro, abro a porta, saio, volto atrás…abro a porta de novo…
Adeus cabrões de merda, vão morrer congelados durante a noite…
E é vê-los a correr, o Fellini, e o Orson Welles, o Stockhausen e o Jonh Cage, o Nabokov com a Lolita, o Ezra Pound com a Virgínia Wolf…andor, que amanhã vou de comboio!
Entro em casa…
Esparguete…estou no presente, acompanhado do meu romance, ás voltas na cozinha com o esparguete na panela!
Matarei, sim matarei em tempos irresolutos resquícios sobrados de saudosismos homicidas.
Ando ás tantas, ás vezes sem conta a encontrar-me comigo ás escondidas do presente.
É de morte que falo, de enterrar o passado, talvez esmurra-lo e cuspir-lhe em cima.
Amontoar o lixo dos anos e pegar-lhe fogo!!!
Juro que tenho tentado…a sentir este cheiro quente, a olhar este corpo vivo, que se funde no meu beijo, sei que tenho conseguido.
-Então oh giro, estás para aí a olhar, não se diz nada…
-Claro que digo…digo em beijo, digo em música, digo em quadro, digo em filme… digo Godard!
-Eu vos saúdo Maria!!!
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