Joana Simões e o Carteiro Nereu

Logo de manhã,bem pela matina, a pequena mulher da tão longínqua localidade, acabava de se pentear e simulando estar atarefada, a entrada de casa varria.
Com um olhar lânguido, nas copas das árvores, ouvidos atentos na pequena estrada, de alcatrão negro, que serpenteava por entre os pinheiros, formosos e esticados, aguardava a vinda do seu amado.
Joana demorava na tarefa, esperando a vinda do seu cavaleiro andante, em Zundapp montado,para que o seu coração tivesse sossego.
Meia hora depois, o som da mota, surgiu:
-Lá vem Nereu, como prometeu!
Radiante, apertou o cabo da vassoura, como se fosse vida e aguardou.
De capacete enfiado, bolsa castanha a tiracolo, ele se ergueu e um aceno de mão deu:
-Bom dia Sr. Nereu!
-Bom dia menina Joana.
-Há carta para aqui?
-Não sei ao certo, ainda não vi.
Num gesto calmo, tirou o capacete, e o olhar dela, absorveu tão lindo rosto, o cabelo loiro, solto. Os lábios finos e perfeitos:
-Lamento, não tenho!
-Pois então já vai embora?-perguntou com ansiedade
-Tenho de voltar à cidade.-Murmurava Nereu, perdido no rosto pálido de Joana
-Esperava a hora de o ver!
-Arrisquei muito, pois deve chover.
Vendo-se a sós, com o seu cavaleiro, deu-lhe um beijo na face e segredou:
-A chuva vai aguardar.
-Bem, - retorquiu quase sem fala-, posso esperar.
Durante meses cortejavam-se em silêncio, ele vinha ela o via. ele ia, ela se despedia.
Já não podia mais contentar seu coração, com visitas peródicas, queria forçosamente beijá-lo, amá-lo, deixar-se de retóricas.
Ali estava ele, o seu Nereu, em pleno apogeu de camisa perdida, ela com ele na cama, entretida.
Foi bom o amar, de fogo verdadeiro e imenso suar.
Guardou no seu corpo o cheiro, o olhar, para mais tarde, a sós o recordar.
Ergueu-se o corpo atlético do nobre carteiro, um ultimo beijo certeiro e com promessas de amor se despediu, enquanto ela o vestiu.
Joana encontrou o amor, deu uso dele, nessas semanas seguintes.
Projectos, casamento, intento, afectos.
Andava feliz Nereu, com que Deus lhe deu.
Andava radiante Joana, naquela Era profana.
Porém nesse dia, cumprindo o ritual, a entrada varria, quando na rádio, por entre a estática, o anuncio fatal:
-Um acidente...rssss....uma mota que caiu ....desfiladeiro....carteiro...
O coração de Joana, as tonturas, o largar da vassoura, o sacudir o rádio, a revelação.
-Já há dados concretos...rsss...foi acidente....rss..Paulo Nereu...rsss...Faleceu.
Como uma facada, ela dobrou-se, rolou chão, amaldiçoou o infortunio, chorou.

Logo de manhã,bem pela matina,Pedro, descalço calcando as ervas circundantes, apontava com a alegria dos seus cinco anos, a copa das árvores e de mão dada com a mãe, explicava aos amigos:
-O meu pai vinha sempre por ali.De mota,ver a minha mãe. Fizesse sol ou chuva, só para a ver. Não é, mãe?
-Sim pedro!
Sonhava Joana Simões com o regresso do barulho da Zundapp, como num sonho que ele voltasse, e o filho conhecesse e a ela a beijasse.

Submited by

Thursday, October 8, 2009 - 15:18

Prosas :

No votes yet

Mefistus

Mefistus's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 3 years 25 weeks ago
Joined: 03/07/2008
Posts:
Points: 3000

Comments

lau_almeida's picture

Re: Joana Simões e o Carteiro Nereu

vou descrever este texto com uma palavra:
Fantastico. cativas as pessoas com as tuas palavras.
beijinho*

Mefistus's picture

Re: Joana Simões e o Carteiro Nereu

lau_almeida;
è sempre com carinho que recebo teus comentários

Obrigado

Add comment

Login to post comments

other contents of Mefistus

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Poesia/Love Saber A Mar! 4 2.677 02/19/2019 - 16:26 Portuguese
Prosas/Contos Desculpa Se Sou Puta -Parte 1 - Capítulo 3 0 2.294 02/07/2015 - 11:18 Portuguese
Prosas/Contos Desculpa Se Sou Puta -Parte 1 - Capítulo 2 0 2.603 02/07/2015 - 11:11 Portuguese
Prosas/Contos Desculpa Se Sou Puta - Parte 1 - Capítulo 1 - 0 2.053 02/07/2015 - 11:07 Portuguese
Prosas/Contos Desculpa se sou Puta! - Introdução 0 1.990 02/07/2015 - 11:03 Portuguese
Prosas/Contos Desculpa se sou Puta! - Introdução 0 2.118 02/07/2015 - 11:00 Portuguese
Poesia/Love Saber A Mar! 0 0 07/09/2012 - 15:31 Portuguese
Poesia/Love Saber A Mar! 0 3.454 07/09/2012 - 15:30 Portuguese
Poesia/Aphorism Cativa Saliva na boca triste 0 4.584 06/04/2012 - 13:52 Portuguese
Poesia/Meditation Haveria Sempre Poesia, Nas horas loucas de maresia 2 3.379 04/21/2012 - 05:56 Portuguese
Poesia/Disillusion Melancolia 0 3.025 11/04/2011 - 12:11 Portuguese
Poesia/Thoughts Para onde vou ó dor! 0 2.164 11/04/2011 - 11:42 Portuguese
Poesia/Meditation Trova a dois Terços! 0 2.593 11/04/2011 - 11:34 Portuguese
Poesia/Intervention Ó Chefe dá-me um emprego! 1 3.622 10/25/2011 - 10:30 Portuguese
Poesia/Dedicated Em amêndoas Tragado 3 3.013 10/24/2011 - 10:15 Portuguese
Poesia/Intervention Uma breve nostalgia! 0 2.973 10/24/2011 - 10:06 Portuguese
Poesia/Meditation No pio da Perdiz 0 3.056 10/24/2011 - 09:58 Portuguese
Poesia/Fantasy Baila Marisa Baila! 3 3.861 09/01/2011 - 11:17 Portuguese
Prosas/Terror Diablo- Capitulo 4 (parte 4/4) 0 2.634 04/09/2011 - 01:02 Portuguese
Prosas/Terror Diablo - Capitulo 4 ( parte 3/4) 0 2.993 04/09/2011 - 00:59 Portuguese
Prosas/Terror Diablo - Capitulo 4 ( parte 2/4) 0 2.509 04/09/2011 - 00:56 Portuguese
Prosas/Terror Diablo Capitulo 4 (Parte 1/4). 0 3.523 04/09/2011 - 00:49 Portuguese
Prosas/Terror Diablo Capitulo 3 (Parte 3/3) 0 2.906 04/09/2011 - 00:46 Portuguese
Poesia/Meditation Dançarina de saia Púpura 2 3.481 04/07/2011 - 23:35 Portuguese
Poesia/Meditation Como um corpo suspenso em cordas de linho 1 3.626 02/27/2011 - 20:51 Portuguese